Quando há cerca de 10 anos alguns advogados procuraram alertar a comunidade judiciária e a sociedade civil que o processo que viria a ser conhecido como “Operação Marquês” seria o Titanic do sistema judicial português, poucos deram ouvidos. Hoje o MP e a comunicação social que ocupa muito do seu espaço comunicacional com os casos mediáticos, procuram com afã os bodes expiatórios para um resultado que há 10 anos se antecipava, fruto duma estratégia processual megalómana e irrealista, que foi a criar um megaprocesso em volume e complexidade para julgar banqueiros e políticos do regime. E é para acobertar esta megalómana asneira iniciada há 10 anos atrás, que está prestes a ver consumado o seu trágico epílogo, que está a ser preparado o maior ataque aos direitos de defesa constitucionalmente garantidos pela Lei Fundamental, aprovada em sessão plenária da Assembleia Constituinte em 02 de abril de 1976. O pretexto não será o do erro evidente cometido há mais de 10 anos, não será também o de ter sido estendido artificialmente o prazo do inquérito muito para além dos prazos “meramente indicadores” do código de processo penal. Não, claro que não. A culpa é mesmo dos arguidos, dos seus advogados e da maldita Constituição da República de 1976 e da lei processual penal que permite que arguidos que deviam ser sumariamente condenados, possam deduzir as suas defesas no limite da sua admissibilidade substantiva e processual. A culpa tem agora um nome fácil de decorar pela opinião pública: “expediente dilatório”. O exercício dos direitos de defesa dos cidadãos e das empresas perante a voracidade condenatória do Estado é agora combatido como “expediente dilatório”. Tudo isto está tudo muito certo, enquanto a máquina do Estado ataca os mediáticos e o nosso vizinho. O problema é quando o azar bate à porta do cidadão que aplaude o atual circo montado em torno do “expediente dilatório”. Inclusive dos jornalistas que hoje defendem com afã que se deve acabar com as defesas “dilatórias”. Esses mesmos jornalistas quando acusados de abuso de liberdade de imprensa, os seus advogados, normalmente contratados e pagos pelas empresas de comunicação social que os empregam, exercem no seu limite o direito de defesa dos seus constituintes. A diferença é que, essas defesas, no caso desses especiais visados, não são defesas dilatórias que recorrem a expedientes dilatórios. Não, aí são legitimamente exercidos os seus direitos de defesa previstos na Constituição e na lei. É precisamente este o pretexto que serve de pano de fundo a um possível pacote de alterações legislativas ao Código de Processo Penal. Sob o manto da eficiência e da luta contra a criminalidade complexa, pretendem propor-se mudanças que, na prática, representam um retrocesso de mais de 50 anos no direito de defesa. A penalização do direito de defesa sob o pretexto de se tratar de “expediente dilatório” aplicando multas astronómicas aos arguidos e seus advogados, acompanhadas de queixas para a respetiva Ordem e a normalização da violação do segredo profissional dos advogados é apenas a ponta do iceberg de uma corrente dentro do judiciário protegida pela comunicação social, de enfraquecimento das garantias processuais penais. A violação das regras por parte de quem tem o dever de as aplicar é o caminho mais curto para a arbitrariedade. Quando agentes do Estado violam impunemente as regras do Estado de Direito democrático e existem correntes no judiciário que pretendem limitar direitos de defesa com mais de 50 anos, é imperativo que a sociedade civil, a Ordem dos Advogados e os próprios tribunais se mantenham vigilantes e intransigentes na defesa do segredo profissional e de todas as garantias que constituem a essência de um Estado de Direito democrático e justo. Os sinais de alerta estão todos aí. Depois… depois não se queixem!Advogado e sócio fundador da ATMJ - Sociedade de Advogados