Há um debate que está a fazer o seu caminho. Um tema um pouco fechado nos gabinetes, neste caso sem qualquer crítica implícita – se existe silêncio sobre o caminho para um capitalismo com responsabilidade social e económica –, a partir da virtualidade das corporações. De facto existe a dificuldade de “explicar” o tema a um público mais vasto.É minha obrigação não desistir de contribuir para a compreensão dos temas. As corporações acompanham a história e remontam ao século XIII, como lembra Rui Moreira de Carvalho no seu “Deveres da Corporate Governance”. As corporações eram estruturas empresariais decretadas por Carta Real que não tinham a preocupação de gerar lucro. Com o tempo, a função central das corporações passou a ser o lucro dos seus proprietários ou acionistas. Esta evolução contém na explicação a sua própria genialidade. É que a corporação como modelo decorre da capacidade de combinar o capital, ou seja, o poder económico, de um grande número de pessoas, enquanto restringe a responsabilidade dessas enquanto investidores. Isto tem sido visto como a característica-chave que garantiu a ascensão meteórica das corporações nos últimos três séculos.O debate aponta o desafio (e os perigos) dos chamados dilemas de incentivo. Se estas pessoas detentoras de ações, algumas vezes gestoras ativas, não forem responsáveis pelos prejuízos incorridos pela empresa e infligidos à sociedade, que incentivo têm de operar de forma eficaz? Que incentivo têm para se envolverem de modo ativo na supervisão da gestão? É permitido a outras partes interessadas como os colaboradores e a comunidade apoiarem a monitorização da gestão?O pensamento de Milton Friedman, que defendia com “respeitadora” radicalidade a primazia dos acionistas, foi ultrapassado pelas reformas do “Big Bang”, no final de 1980, com a sua sede de desregulamentação, inovação tecnológica e privatização. Estas alterações obrigaram as bolsas a dar prioridade aos “trader’s”, em vez de proporcionarem um ambiente comercial neutro e transparente.A Grande Crise Financeira de 2008 abalou esta trajetória. O ritmo de valorização da capitalização bolsista levou a um redobrado nível de preocupações por parte das entidades supervisoras e políticas e às reformas nos modelos de corporate governance. Com o poder de ajustar e de compensar, as partes interessadas podem mitigar o oportunismo e a “visão curta”. Se enquanto a voz dos acionistas, especialmente no caso de propriedade dispersa, pode ser insatisfatória devido a problemas de parasitismo (os acionistas escolhem “saída” em vez de “voz”), a voz dos colaboradores e da comunidade pode ser uma força eficaz contra o tal “curto prazo”, uma vez que estes investem em “capital humano específico” da empresa. E isto dá-lhes um incentivo para se comportarem de modo a promover a competitividade. Mais uma prova de que o sistema cooperativo tem nos próximos anos uma oportunidade única.Continuarei por aqui em mais uma ou duas “conversas” consigo.Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedrasmanuel.guerreiro@ccamtv.pt