O amor dos livros e da cultura

Publicado a

José Afonso Furtado foi um exemplo de inteligência e entrega plena ao serviço público da cultura. Foi um estudioso e um militante sereno e determinado da promoção do livro e da leitura, para além do prazo curto. O produto do seu labor e talento está bem vivo, e todos quantos lidam com o mundo dos livros e do conhecimento sabem o muito que beneficiaram do seu contacto. O trabalho que realizou na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian (1992-2012) foi notável, na modernização tecnológica e na criação do serviço de referência, completando o que também fez na rede nacional de bibliotecas públicas municipais.

Lembramo-nos da sua obra fundamental A Edição de Livros e a Gestão Estratégica, que continua ser um livro referencial. Quem o conheceu, sabe quanto era entusiasta, generoso, disponível e exaustivo no estudo e compreensão daquilo que o interessava. A partilha de conhecimentos era motivo de genuíno prazer, e todos quantos beneficiaram do saber que cultivava não podem esquecer o que lhe devem. Mas, além, da entrega à causa do livro e da leitura, José Afonso Furtado foi um artista, um criador, com provas dadas no domínio da fotografia. A sua obra põe-no no centro da melhor criação do seu tempo. As suas paisagens serenas e rigorosas permitem uma inevitável ligação à terra e ao tempo. Cada fotografia sua obriga-nos à observação atenta do conjunto e do pormenor. Dir-se-á que uma paisagem ganha, assim, todo o esplendor, tornando-se verdadeiro diálogo entre humanidade e natureza.

Ao seguirmos o seu caminho profissional, encontramos a presidência do Instituto Português do Livro e da Leitura (1987-91), a participação no Conselho Superior das Bibliotecas, a docência nos cursos de ciências documentais e de técnicas editoriais e na disciplina de Sociologia do Livro e da Leitura. Participou na Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e fazia parte da Comissão de Honra do Plano Nacional de Leitura. Como prova da profunda atenção que dava á evolução do mundo digital e da comunicação cultural, foi referido em 2011 na revista “Time” como um dos mais influentes utilizadores do Twitter (hoje X). Na vasta bibliografia que nos deixou conta-se O Que é o Livro (1995), Os Livros e as Leituras. Novas Ecologias da Informação (2000) ou Uma Cultura e Informação para o Universo Digital (2012), além de Canção das Crianças Mortas (com Clara Pinto Correia, 1989). Sobre fotografia são inesquecíveis Das Áfricas (com Maria Velho da Costa); Os Quatro Rios do Paraíso (com Clara Pinto Correia e Cristina Castel-Branco); Mundos da Fotografia – Orientações para a Constituição de uma Biblioteca Básica (com Ana Barata); Contaminações. Minas Abandonadas – Fotografias 1994-2009 (2019).

De modo emblemático, sobre o Livro, a sua importância e fragilidade, José Afonso Furtado disse de modo sublime: “Nestes momentos de turbulência muitas predições já falharam, muitos fenómenos vertiginosos surpreenderam a comunidade dos especialistas. (…) As verdades inquestionáveis mais não seriam do que um compêndio de banalidades. Tal como outros, em outros tempos, ‘navegavam sem o mapa que faziam’, também agora ‘os homens sábios tinham concluído / que só podia haver o já sabido: / para a frente era só o inavegável’, como escreveu, admiravelmente, Sophia de Mello Breyner Andresen. Resta-nos, então, navegar os novos espaços”.

Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian

Diário de Notícias
www.dn.pt