Não são amarras, são tentáculos

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Não espanta ninguém. Luís Montenegro já tinha avisado, no último congresso do PSD, que iria retirar as “amarras ideológicas” da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento - o que lhe valeu, aliás, a maior ovação naquele congresso. Nunca explicou o que são as tais “amarras ideológicas” mas não precisava de o fazer: era óbvio que falava de sexualidade e de género. A imagem que me ficou desse congresso foi aquela sala a ser envolvida por uns enormes tentáculos. 

E aqui está. Na mesma semana em que são conhecidos os dados esmagadores da violência doméstica do primeiro trimestre deste ano, o governo retira expressamente o domínio “Sexualidade (diversidade, direitos, saúde sexual e reprodutiva)” da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e Aprendizagens Essenciais de Cidadania e Desenvolvimento cuja revisão está agora em consulta pública. Neste país onde só nos primeiros três meses de 2025 morreram 7 pessoas e mais de 7000 participações de violência doméstica foram feitas e onde a violência no namoro aumenta, o governo olha para a igualdade de género como amarra. Neste país onde os casos de doenças sexualmente transmissíveis aumentam, o governo olha para a sexualidade como amarra. Neste país onde o discurso de ódio aumenta, o governo olha para a diversidade como amarra. Este olhar do governo vem diretamente dos gritos de ódio da extrema-direita. 

É curioso, porque Luís Montenegro disse-nos no debate do Estado da Nação que “governar não é reagir ao ruído” mas não tem feito outra coisa se não governar em reação aos berros da extrema-direita, incorporando as ideias, as palavras, as medidas e até o desrespeito pela democracia e pelos processos democráticos, numa viragem perigosa do PSD. E agora, esta semana, disse-nos "Eu acho que o Chega está normalizado há muito tempo na vida política portuguesa". Gostava de saber há quanto tempo Luís Montenegro acha que existe esta normalização, porque ainda há pouco vendeu ao país o “não é não”, no que foi interpretado por toda a gente como uma linha vermelha do PSD à extrema-direita. Agora não só não há linha vermelha nenhuma como o PSD surfa a onda deste ódio, sem se aperceber dos tentáculos que se apertam à sua volta. 

“Habituem-se” gritava o líder parlamentar do PSD quando o PSD e o Chega aprovavam processos legislativos à pressa, sem qualquer consideração pelas boas práticas parlamentares, numa euforia visível de quem julga que está em controlo. Mas não está em controlo, está a deixar-se enlear naqueles tentáculos que vão apertar cada vez mais e que, em breve, puxarão o PSD para o fundo. 

O problema aqui é que estes tentáculos não afundam apenas o PSD. No caminho arrastam vidas, famílias e crianças, destroem a solidariedade e a empatia que tem caracterizado Portugal, agravam os problemas estruturais do país e minam a nossa democracia. E isso nenhum democrata - seja de que quadrante for - pode aceitar. 

Líder parlamentar do Livre

Diário de Notícias
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