Nunca um Presidente teve uma tarefa tão difícil

Desde a normalização da nossa democracia que nunca um Presidente da República teve uma tarefa tão difícil pela frente. Mas também nunca o povo português confiou tanto num Presidente.

Bem sei que os valores percentuais que Marcelo Rebelo de Sousa atingiu não foram os de Mário Soares, só que o resultado das eleições do último domingo é único na medida em que os cidadãos sabem o que estão a viver e o que os espera, o resultado do pai da nossa democracia foi uma espécie de homenagem.

Foi fundamental esta prova de confiança. O poder do Presidente da República depende mais da força do mandato popular do que do estritamente definido na Constituição. Além da célebre bomba atómica e do poder de veto (ultrapassável no Parlamento), pouco sobra em poderes concretos.

É no papel de zelador do regular funcionamento das instituições que se exprime o papel de provedor dos cidadãos, e nunca, na nossa vida democrática, estas estiveram tão debilitadas, e o equilíbrio da nossa democracia tão ameaçado.

Uma crise de saúde pública, económica e social nunca vivida seria sempre um teste à resistência das nossas instituições, mas convém lembrar que vivemos uma violenta crise financeira que as depauperou em termos de meios e, sobretudo, de pessoas. E o Presidente da República tem um papel central na liderança deste processo, seja pela palavra, como ficou claro na comunicação de quinta-feira, seja pela sensibilização para os problemas.

Para piorar, vivemos num sistema político partidário desequilibrado e em desagregação, sendo impossível prever como evoluirá.

Logo para começar, ter um Governo sem apoio parlamentar maioritário na presente situação é para lá de irresponsável - o Bloco de Esquerda está a pagar o preço dos seus joguinhos politiqueiros, e ainda bem.

Ter um Governo que não pode governar nem pode deixar de ser Governo é um cenário mais do que possível, é previsível. A tendência, com a degradação da situação, de os partidos fazerem uma oposição mais violenta e não deixarem passar dossiês que o Governo reputará, com razão ou não, fundamentais será cada vez maior.

Porém, a possibilidade de ter os partidos de oposição forçados a assinar de cruz tudo o que lhes for posto à frente e a assistir ao PS a tomar conta de tudo o que é poder em Portugal não é uma perspetiva que também deva ser desprezada.

O facto é que temos o sistema bloqueado por o PSD não conseguir encabeçar uma alternativa. Os sociais-democratas não foram capazes de manter o rumo que Rui Rio apontou, o de tentar conquistar o eleitorado do centro (o que deu a vitória esmagadora a Marcelo), e com a legitimação do Chega e os ziguezagues estratégicos deu uma bazucada nos pés de que recuperará com muita dificuldade. O CDS morreu e não parece que, por muito bom que isso fosse, Adolfo Mesquita Nunes o consiga ressuscitar.

Pelo menos, Rio parece ter percebido o erro que cometeu e já anunciou que não faria qualquer tipo de acordo autárquico ou outro com o Chega. É que os entendimentos com essa organização não só são impossíveis por uma questão de princípios como oferecem o centro ao PS.

O próprio Presidente da República também está numa posição vulnerável. Se por um lado tem de atuar como fator de estabilidade, sabe que tem de exercer um escrutínio como nunca nenhum Presidente antes dele exerceu. E, bem entendido, sem botão atómico, que lhe está bloqueado por falta de alternativa.

Tudo isto numa altura em que meio milhão de portugueses acha que a melhor solução para o país é uma pessoa que quer acabar com a democracia.

Nunca se pediu tanto a um Presidente da República. É dele, em larguíssima medida, que depende o futuro da nossa democracia e a solidez da nossa comunidade.

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