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Em Portugal e em França os decénios presidenciais em curso vão-se aproximando do fim. Nos últimos cinco anos, a França conheceu seis Primeiros-ministros – um facto inédito na V República - três dos quais após a última dissolução da Assembleia, decidida no ano passado. Em Portugal, em menos de quatro anos, três dissoluções atingiram sucessivamente os Parlamentos eleitos, propiciando a passagem de um governo maioritário a um governo minoritário e, logo a seguir, a um outro igualmente minoritário.

O espírito francês já criou a graça de que “o Presidente se tornou um profissional da escolha de primeiros-ministros… mas ainda não um especialista” – e isso seria entre nós plenamente aplicável à dissolução. O sério é que, num caso e noutro, os níveis de decepção acumulada ao longo desses exercícios, em particular no segundo mandato, são muito elevados.

Alguns dos problemas enfrentados são agora análogos (fragmentação política com perda de peso dos partidos tradicionais, crescimento do nacional populismo, etc) mas não há que identificar erroneamente nem os dois sistemas de governo nem outros aspectos relevantes da realidade de cada um dos países. Há contudo alguns elementos comuns que não podem ser desvalorizados.

Integrando o limitado número de Estados-Membros da União Europeia com Presidentes eleitos por sufrágio universal, os poderes de dissolução do Parlamento tornam os seus titulares, como se tornou habitual dizer em França, “senhores do tempo” – em graus diversos em cada um dos países, mas sem excluir estudadas ampliações (às vezes pré-anunciadas, como vimos, como cominações adicionais).

Ao mesmo tempo, em medida maior ou menor, os governos nomeados beneficiam de soluções que lhes possibilitam iniciar e prosseguir a sua actividade mesmo sem dispor ou ter de construir o requisito democrático de uma maioria, tentando resolver a incerteza caso a caso em sucessivas provas parlamentares, com inevitáveis consequências no estilo, qualidade e resultados da governação.

Nos dois casos, há recurso a opções e fórmulas constitucionais adoptadas nos anos cinquenta e setenta do século passado. Mas em vez de se ter criteriosamente circunscrito o emprego desses recursos vemo-los agora tornarem-se objecto de uso reiterado e, até, rotinizar-se. E quando os Estados de direito democráticos se confrontam com tendências e forças hostis em crescimento – e precisam de condições que permitam apresentar resultados esperados pela sociedade – estas velozes sequências de dissoluções evitáveis e governos sem requisitos autênticos de estabilidade favorecem evoluções mais perigosas para o futuro da democracia do que as realidades da segunda metade do século passado permitiam imaginar.

Seria diversivo pensar em revisão de normas constitucionais para alterar este panorama: para obviar a esta deriva, ou risco dela, o que se impõe é um outro padrão de uso das existentes. E este será tema incontornável nas presidenciais que nos batem à porta, já que o nível da exigência democrática no exercício das competências do Presidente é um factor do maior relevo para a inflexão que é necessária. Será mais útil para o futuro do regime constitucional que os candidatos se expliquem e comprometam acerca dos critérios com que exercerão essas competências do que extensos discursos sobre o que cabe à Assembleia e ao Governo.

Jurista, antigo ministro. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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