Não são só as terras raras

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Desde 2015, quando a China aprovou o programa de política industrial “Made in China 2025”, o objetivo final de Pequim é reduzir a dependência da China de tecnologia estrangeira e promover fabricantes chineses de alta tecnologia. Enquanto as empresas ocidentais estavam ocupadas a celebrar a globalização como um triunfo da eficiência e de abertura, e arrastavam os pés em relação a novas áreas de negócio decorrentes da transição energética, as empresas chinesas, numa estratégia coordenada, criaram ecossistemas inteiros de produção investindo em todas as etapas das respetivas cadeias de valor, incluindo as relativas à extração de minérios críticos e ao seu processamento / refinação em metais críticos. Desta forma, a China tornou-se indispensável em relação a materiais e componentes essenciais para imensos bens, dos telemóveis aos automóveis, de baterias a sistemas de orientação de mísseis. Décadas de planeamento e uma governação por engenheiros permitiram a Pequim perceber que o verdadeiro controlo não reside em produzir o bem final, mas em controlar o processo que o torna possível, as etapas intercalares da cadeia de valor. 

Depois de muitos anos de procrastinação, os decisores políticos ocidentais descobriram que os países desenvolvidos estão completamente dependentes do fornecimento de metais críticos por parte de empresas fornecedoras da China. A questão tornou-se evidente quando, em 2024, a China limitou o fornecimento de gálio e germânio. Mais recentemente, suspendeu a exportação de outros tipos de terras raras. É evidente que a China procura aumentar a sua margem de manobra para negociações comerciais com os EUA e a UE. Neste momento, a indústria automóvel tem um stock de apenas alguns meses ou semanas relativamente a algumas componentes contendo terras raras. A indústria militar, também depende de tais componentes; p. ex., cada caça F-35 tem c. 400 kg de terras raras chinesas na sua estrutura e alguns submarinos precisam de mais de 4 mil kg destes materiais. As diligências que os responsáveis dos EUA e da UE andam desenvolvendo nas últimas semanas para tentar encontrar fontes alternativas de fornecimento não devem fazer esquecer que a larga maioria (90%) da refinação das terras raras e de muitos outros metais críticos (>90% de grafite, 80% de cobalto, 70% de lítio, 70% de níquel) torna impossível rivalizar com as empresas chinesas antes de decorrer uma década.  

Portugal pode dar um contributo para a autonomia estratégica da Europa, em especial no que tange ao lítio, ao cobre e ao tungsténio. Porém, é preciso que haja decisão política nacional e que se aplique o que se prega no relatório Draghi sobre eliminação de burocracia. Bem como não repetir a asneira de não aderir aos IPCEI criados para facilitar os financiamentos dos projetos estratégicos europeus (Portugal tem 4 projetos relativos a matérias primas críticas). 

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