Natal sangrento

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Não, esta crónica não está no tempo certo. Esta semana eu deveria falar de paz, de harmonia entre os povos, de tranquilidade, de convivência em tempo natalício.

Mas como fazê-lo quando o mundo está polvilhado de guerras, quando as potencialidades dos países são canalizadas para o esforço bélico, para os egoísmos territoriais. Não se ouve falar de paz. Não escutamos, preferencialmente, palavras de amizade entre os povos.

A contabilidade da guerra dá-nos um número impressionante de pequenos conflitos espalhados por diferentes geografias e de grandes guerras noutras latitudes.

Há em todo o planeta cerca de 50 guerras e incidentes bélicos de diferentes dimensões.

A qualquer continente onde vamos encontramos sinais de guerra. No continente africano, na Etiópia, há conflitos entre forças governamentais e milícias locais. A Etiópia é apenas um dos cinco países africanos onde se registam guerras de diferentes dimensões. A paz não existe no Congo, na Nigéria, no Sahel, ou ainda nos Camarões onde há escaramuças embora de baixa intensidade.

Mas se pensarmos na Ásia este continente regista , igualmente, situações de conflitos armados. Teremos, por exemplo, de ter cuidado se quisermos visitar a Caxemira, porque, com frequência verificam-se confrontos entre a Índia e o Paquistão. Ambos os países reivindicam a posse daquele território. Ainda na Ásia, surgiram, recentemente, problemas em Myanmar, (antiga Birmânia). E no Afeganistão, após a saída dos norte-americanos, há frequentes episódios de conflitos entre grupos armados.

Passando agora para a Europa e antes de entrarmos nos grandes dossiers bélicos, há uma tensão política latente que pode agravar-se a qualquer momento entre a Sérvia e o Kosovo. E na Moldávia a situação pode, igualmente, escalar a qualquer momento.

Todavia de maior gravidade no Mundo temos, actualmente, três grandes guerras que causam milhões de mortos e consomem enormes quantias de dinheiro que poderiam e deveriam ser canalizadas para fins pacíficos e que resultassem em benefícios para as populações que delas carecem.

Russia/Ucrânia, Israel/Palestina e Sudão. Estes são as três guerras que, verdadeiramente, tornam este Natal particularmente sangrento

Senão vejamos!

Na invasão da Ucrânia pela Rússia os ucranianos desde o inicio do conflito já perderam cerca de 70 mil soldados e os russos 152 mil. Se juntarmos aos militares o número de civis apontados pelas Nações Unidas temos de acrescentar mais 14 mil civis mortos e 38 mil feridos ucranianos. Quanto a custos de guerra a Ucrânia, desde o início do conflito, já gastou 320 biliões de doláres e estima-se que a reconstrução da Ucrânia, um dia, possa vir a custar qualquer coisa como 524 biliões de dólares.

Relativamente a custos de guerra da invasão russa, Moscovo já gastou 250 biliões de dólares até ao meio do ano de 2024. Acrescentando as sanções aplicadas pelo Ocidente e as percas económicas o custo da guerra para a Rússia atingiu, até hoje, os 1,3 triliões de dólares, o que justifica as dificuldades financeiras que se fazem sentir no Kremlin.

Passando ao segundo conflito mundial mais grave, a guerra Israel/Palestina, na faixa de Gaza, custou a vida a 60 mil palestinianos, enquanto do lado de Israel há a registar a morte de 1300 isrealitas, sobretudo nos acontecimentos de 7 de Outubro de 2023. A reconstrução da faixa de Gaza de acordo com valores estimados pelas Nações Unidas pode atingir os 80 biliões de dólares.

E neste percurso bélico chegamos , finalmente, ao Sudão um conflito que passa discreto no Ocidente mas cujas consequências são devastadoras. Com inicio em Abril de 2023, a guerra no Sudão já provocou 14 milhões de deslocados, fome, epidemias e 150 mil mortos. O conflito verifica-se entre o governo sudanês e as RSF, um grupo paramilitar surgido no Darfur no ano 2000.

Como não falar, então, de um Natal sangrento com este panorama mundial. Resta-nos a esperança para futuro? Sim, claro, a esperança é a última a morrer.

Mas há uma pergunta a fazer? Qual o balanço da actividade das inúmeras organizações que existem para promover a paz. Afinal, qual o resultado do seu trabalho? As Nações Unidas o que conseguiram fazer até agora para reduzir a selvajaria destes conflitos. E a OSCE, Organização de Segurança e Cooperação na Europa, criada por influência soviética, qual o balanço da sua acção em prol da paz? Praticamente nenhuma. Os países sobrepuseram-se à lógica pacifista que devia emanar destas organizações.

Com este panorama mundial, além de estarmos todos sentados num barril de pólvora, como poderemos falar em termos mundiais de um Natal que não seja, inevitavelmente, sangrento.

Jornalista

Diário de Notícias
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