Não é só fumaça

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Ponto prévio: sou das pessoas que acreditam que os bombeiros sapadores (tal como os seus ‘primos’ mal pagos, os bombeiros voluntários) são, na sua larga maioria, pessoas capazes de atos de grande abnegação e coragem para salvar a vida ou os pertences de outros cidadãos. Servir os outros desta forma é uma honra que nada, nem ninguém, lhes pode tirar. Não somos poucos a pensar assim.

Posto isto, no que toca a direitos, os bombeiros sapadores são cidadãos iguais aos outros, com direitos e deveres iguais. E se têm direito, como é óbvio, a protestar por melhores condições salariais e de carreira, não me parece ajustado que se manifestem da forma como o fizeram esta terça-feira.

Por duas razões, uma de forma e outra de fundo. Se os bombeiros escolheram uma vida dedicada a tirar as pessoas de perigo, não é aceitável que - por motivo de uma manifestação, por muita razão que tenham -  lancem fogo em frente à Assembleia da República, como fizeram em outubro, ou que lancem petardos em áreas com pessoas a passar, como fizeram esta terça-feira.

Bem sei que a razão invocada é que se há alguém que pode fazer isto em segurança são os bombeiros. Digam isso à jornalista atingida por um petardo no pé quando fazia a cobertura do protesto.

O transporte, detenção, uso, distribuição ou posse de explosivos, engenhos explosivos improvisados ou artigos de pirotecnia em áreas proibidas - como, por exemplo, os estádios de futebol - dá direito a uma pena de até cinco anos de prisão ou 600 dias de multa. Por que razão os bombeiros sapadores se acham no direito de os usar em cenário urbano, mesmo que numa manifestação?

Os fumos e os petardos dos bombeiros sapadores têm imenso impacto nas imagens televisivas, mas simplesmente não deveriam estar presentes num protesto. Não vale tudo. Belisca-lhes a imagem de agentes exclusivamente do bem.

A outra razão é que os bombeiros e as suas estruturas sindicais decidiram fazer uma manifestação não-autorizada - furando um cordão da PSP e lançando fumos e petardos - à porta do edifício onde decorriam negociações dos seus representantes com o Governo. Ninguém diz que não o possam fazer, mas é uma daquelas regras não-escritas: enquanto se está a parlamentar, cessam-se os atos de hostilidade. E sim, os protestos dos bombeiros de ontem não foram ordeiros. Também por essa razão, a PSP decidiu participar ao Ministério Público.

A forma como os bombeiros se manifestaram afasta as pessoas da questão que lhes é mais importante, a legitimidade do que pedem em termos de salário e progressão. Os fumos têm o condão de cegar todos por igual, mas os primeiros são os cidadãos, que, desde logo, sabem pouco sobre os sapadores e as suas reivindicações.

Mais: a forma como os bombeiros se manifestaram endurece as negociações, uma vez que nenhum governo pode ceder quando os cidadãos percecionam que o fez sob ameaça ou cerco.

Pior: o excesso remete muitas vezes para a imagem do bully, curiosamente a última coisa que alguma vez pensava vir a associar aos bombeiros.

Diretor-adjunto do Diário de Notícias

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