Na origem dos nacionalismos europeus

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Estive, há dias, numa conferência sobre o Integralismo Lusitano na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coube-me falar da “mãe de todos os nacionalismos europeus” no virar do século XIX para o século XX – a Action Française, de Charles Maurras.

Maurras é uma figura central do nacionalismo conservador autoritário europeu. Nasceu em 1868 na Provence e viveu parte da infância e juventude na França derrotada da Guerra Franco-Prussiana. Vem a seguir à geração de Renan e de Barrès, também marcada pela derrota, que definira com algum pessimismo antropológico e realismo geopolítico as coordenadas do novo nacionalismo francês. Porque o nacionalismo francês nascera à esquerda, no ano de 93, imortalizado por Victor Hugo em Quatrevingt-Treize, o inesquecível romance da revolução e da contra-revolução.

Ora, depois da derrota, Renan viera a reconhecer que talvez os alemães não tivessem só a superioridade militar das frentes de batalha, mas também do regime político, da monarquia hereditária militarizada e para-autoritária prussiana. Barrès também o reconhecera e Maurras, ao interessar-se pela política durante o Affaire Dreyfus, ia moldar uma doutrina política que, em França, influenciaria toda a Direita, dos futuros democratas-cristãos aos fascistas franceses.

O resto da Europa também sofre a sua influência. A matriz francesa, reconhecida como a melhor e mais eficaz construção teórico-prática do nacionalismo conservador, acabaria por condicionar não só o pensamento político em França, mas também em países com uma cultura e um contexto semelhantes, como a Espanha, onde a República fora proclamada em 1931.

Logo em Dezembro de 1931, saía em Espanha a revista Acciòn Espanola, dirigida primeiro pelo Marquês de Quintanar, depois por Ramiro de Maeztu. Ali colaboraram intelectuais das várias famílias da direita, incluindo fascistas e nacionais-sindicalistas (Ernesto Giménez Caballero, Ramiro Ladesma Ramos, José António Primo de Rivera). O nacional-conservador José Calvo Sotelo, assassinado pelos “vermelhos” em Madrid dias antes do Alzamiento, também lá escreveu. Acabou com a Guerra Civil – quando muitos dos seus colaboradores foram presos ou mortos pela Frente Popular.

Em Portugal, foi o Integralismo Lusitano de António Sardinha, Luís de Almeida Braga, José Pequito Rebelo, José Hipólito Raposo, Alberto de Monsaraz e outros que representou o novo nacionalismo conservador inspirado pela Action Française. Era também uma reacção, não só à república dos Democráticos, mas, tal como em França e em Espanha, à crise e à humilhação nacional.

A expectativa dos povos é sempre curar os males que vêm de trás, reparar a humilhação sofrida e mudar de vida. E se estes movimentos, quer pela sua composição social elitista, quer pelo seu tradicionalismo e conservadorismo, não mobilizaram as massas populares, tiveram um papel crítico – em Espanha, do secessionismo, do anarquismo, do socialismo e do anti-cristianismo da Esquerda; em Portugal, do democratismo para-autoritário de Afonso Costa e dos Democráticos – que contribuiu para a difusão das ideias do nacionalismo orgânico e para a revisão histórica da História de Portugal, então inspirada no liberalismo à Pinheiro Chagas e no panfletarismo republicano anti-Bragança.

Apesar de alguns terem arrepiado caminho e alinhado até com a oposição democrática, os integralistas foram muito importantes na desconstrução da ideologia da Esquerda.

E Salazar também foi, ao seu modo crítico, maurrasiano – nalgum conteúdo e na forma.

Politólogo e escritor

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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