Montenegro passou o Rubicão
Tal como se esperava, o Governo de Luís Montenegro caiu no Parlamento, após a rejeição de uma moção de confiança que recebeu os votos contrários de toda a Oposição, com exceção da Iniciativa Liberal. O racional do primeiro-ministro é simples de entender: entre ir a jogo agora ou ser grelhado durante meses numa interminável Comissão de Inquérito, optou por atravessar o Rubicão e ir a votos o mais depressa possível. E, do lado do PS, o desafio foi aceite por um Pedro Nuno Santos, que, no ponto a que deixou que as coisas chegassem, teria muita dificuldade em agir de outra forma. Os dados estão lançados.
A seu favor, Montenegro tem a tradicional simpatia do eleitorado pelos primeiros-ministros a quem a oposição não deixa governar. Tem ainda o facto de o caso das avenças ser de difícil compreensão para milhões de portugueses. Para muitos eleitores, o que está em causa é simplesmente a questão de o primeiro-ministro poder ter, ou não, empresas e negócios privados, o que é um assunto relativamente inócuo. Já o facto de a empresa da família de Montenegro receber avenças de grupos económicos, em troca de uma prestação de serviços que ainda não foi devidamente esclarecida, parece passar ao lado de muita gente. A Oposição terá muita dificuldade em explicar ao eleitorado os pormenores deste caso.
Montenegro tem ainda a seu favor o dinamismo que o Governo demonstrou ao longo de menos de um ano em funções, embora muitas das suas medidas estejam ainda em vias de ser implementadas. Desde o primeiro dia em funções que o Governo compreendeu que teria de mostrar serviço rapidamente, porque os equilíbrios saídos das eleições de 10 de março de 2024 apontavam para que tivesse uma existência efémera. O Governo caiu por causa da Spinumviva, é certo, mas se não fosse por este tema, cairia por outra razão qualquer, mais tarde ou mais cedo, por iniciativa de Montenegro ou da Oposição. E porquê? A resposta é simples: os portugueses assim o quiseram, quando no ano passado elegeram um Parlamento fraturado, onde nenhum partido tem maioria e todos os equilíbrios são extremamente precários. Podemos optar por chamar irresponsáveis aos políticos, mas quem define a relação de forças na Assembleia da República são os eleitores.
Neste contexto, o que podemos esperar das eleições que poderão ter lugar em maio? Arriscaria três tendências.
A primeira será, provavelmente, a contínua erosão eleitoral de alguns pequenos partidos, sobretudo à esquerda, onde a tendência deverá ser para o voto útil no PS, enfraquecendo o Bloco, o Livre, o PCP e o PAN. Além disso, depois de um período em que estavam desencantados com os partidos do sistema e viam com bons olhos o surgimento de novas forças políticas, os portugueses parecem estar cansados da instabilidade provocada por esta “destruição criativa” do sistema partidário. A política em democracia é uma coisa bonita e o povo gosta de participar, mas torna-se cansativa quando passamos a mudar de Governo todos os anos.
A segunda tendência a ter em conta será a estabilização do Chega como terceira força política. A fazer fé nas últimas sondagens, o partido de André Ventura parece estar a ser penalizado pelos vários casos que envolvem militantes e deputados, que mais uma vez tornaram patente a dificuldade que tem em atrair bons quadros. Ainda assim, o Chega deverá continuar a ocupar o espaço situado entre a AD e a maioria absoluta, e não será de excluir um cenário em que Montenegro possa ser forçado a um entendimento com Ventura, por impossível que possa parecer de momento.
A terceira será, tal como indicam as últimas sondagens, a formação de um novo Governo minoritário, da AD ou do PS, que, no fim de contas, será tão frágil como aquele que acabou de cair no Parlamento. Se os socialistas vencerem as eleições sem maioria, a AD terá muita dificuldade em explicar por que razão não retribuirá o gesto de Pedro Nuno Santos em 2024, deixando o PS governar em minoria. O mesmo deverá o PS fazer se a AD vencer. Em todo o caso, será mais um Governo minoritário e dependente de frágeis equilíbrios na Assembleia da República, a menos que nas próximas semanas um dos dois blocos descole nas intenções de voto e consiga formar uma maioria estável.
De referir ainda o óbvio: nestas eleições joga-se o futuro político de Luís Montenegro e de Pedro Nuno Santos, pelo que o derrotado dificilmente terá condições para permanecer na liderança do respetivo partido. Para muitos, a eventual queda de Montenegro abriria o caminho para uma recomposição da direita, sob a liderança de Pedro Passos Coelho, apesar das reticências que o próprio tem demonstrado quanto à possibilidade de regressar à vida política.
E o Presidente da República, como fica nesta história? O papel de Marcelo Rebelo de Sousa será fundamental, apesar de o Presidente ter hoje menos influência do que tinha há poucos anos. Em final de mandato e a poucos meses de perder a sua “bomba atómica”, Marcelo quererá contribuir para uma solução de Governo estável, que permita uma visão de longo prazo para o país. Não será fácil, porém. A sua magistratura de influência está limitada por estar em final de mandato e pelo desgaste causado pelo Caso das Gémeas, mas sobretudo pelo facto de não ter no PS o apoio - e a popularidade - que tinha nos Governos de António Costa. E de, no PSD, não ter influência junto de Montenegro e da sua máquina partidária. Nem, já agora, junto dos que querem o regresso de Passos Coelho. Veremos como se posiciona nos próximos dias.
Diretor do Diário de Notícias