O mito é o nada que é tudo.Fernando Pessoa, poeta e escritor (1888-1935) No próximo dia 23, completa-se um mês desde o início da campanha sazonal de vacinação contra a gripe e a COVID-19. Na época 2024-2025, foram administradas 2,4 milhões de vacinas contra a gripe e 1,6 milhões contra a COVID-19. Este ano, confirma-se o bom arranque, mas persiste uma diferença relevante no número de doses administradas das duas vacinas, agravada, em parte, por mitos desprovidos de base científica.O primeiro mito está associado à ideia de que a vacinação deixou de ser necessária com o fim da pandemia. Os vírus influenza e SARS-CoV-2 continuam a evoluir, tornando as vacinas anteriores desatualizadas. O conceito de reforço sazonal é crucial para as duas doenças, funcionando de forma semelhante às atualizações periódicas de programas informáticos ou sistemas operativos de telemóveis. Recentemente, um estudo envolvendo quase 300.000 veteranos americanos reforçou a importância da vacinação sazonal, comprovando a utilidade e a segurança dos reforços.O segundo mito diz respeito, precisamente, à segurança das vacinas. Diversos estudos publicados em revistas científicas de referência, como a Nature e a JAMA (Journal of the American Medical Association), com dezenas de milhões de participantes acompanhados por 1 a 2 anos, demonstraram uma redução do risco de eventos cardiovasculares nos vacinados. Em relação ao cancro, as evidências são muito tranquilizadoras. Apesar disso, tem sido indevidamente divulgado um estudo recente realizado na Coreia do Sul, com apenas um ano de seguimento, que associa a vacinação a um aumento do risco de cancro da tiroide, colorretal, pulmão e mama. Contudo, este estudo apresenta falhas metodológicas graves, como a inexplicável rapidez no surgimento de queixas, consultas médicas, exames diagnósticos e resultados de biópsias em menos de 2-3 meses após a toma da vacina. Esses prazos são incompatíveis com o conhecimento científico. Vale a pena lembrar que, após exposições nucleares como as de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, e Chernobil, em 1986, o período mínimo de latência para o desenvolvimento de tumores sólidos foi superior a 5-10 anos. Sugerir que as vacinas têm um efeito mais cancerígeno que uma bomba atómica é, no mínimo, absurdo.Por fim, a Agência Europeia do Medicamento aprovou novas vacinas contra a COVID-19 com uma tecnologia distinta das de RNA mensageiro e, necessariamente, um perfil de segurança diferente. Estas vacinas, já disponíveis mediante prescrição médica, são úteis nas raríssimas situações de eventos adversos às vacinas anteriores. Além disso, por serem produzidas integralmente em Espanha, contribuem para reduzir a dependência estratégica da Europa. E, no nosso país, essa dependência não é um mito, mas uma realidade preocupante. Doutorado em Saúde PúblicaMembro do Conselho Nacional de Saúde Pública