Missão cumprida?

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Tornou-se rotineira a divulgação do relatório Education at a Glance da OCDE por altura do arranque do ano lectivo, principalmente no hemisfério Norte. É um relatório compacto, extenso, cheio de números, gráficos e comparações entre muitos aspectos dos sistemas educativos dos países membros e cujas entidades oficiais enviaram os dados requeridos.

Tem qualidades e defeitos como outros relatórios globais deste tipo. Tem uma enorme massa de informação que pode ser usada para as tais comparações, em especial para quem se preocupar em ler as notas metodológicas e tiver um conhecimento mediano dos contextos nacionais, apresentados em tabelas e gráficos que homogeneízam os dados como se tudo fosse equivalente.

Basta recordar como, durante os anos dos congelamentos da progressão na carreira dos professores, dos cortes salariais e do aumento brutal da carga fiscal, a OCDE insistia em comparar, mesmo usando as paridades do poder de compra, os salários nominais dos professores em determinada fase da carreira, em vez de comparar os salários efectivamente auferidos. Em regra, a comparação era feita com os salários de professores ao fim de 15 anos na carreira, o que equivalia formalmente ao 4.º escalão. O problema é que, por exemplo, em 2012, 2014 ou 2016, a maioria dos professores com esse número de anos de carreira nem no 3.º escalão estava.

Essas comparações eram muito úteis a quem achava que os professores portugueses até não ganhavam mal e que Portugal investia bastante na Educação e que tinha um encargo médio por aluno “acima da média da OCDE”. Havia quem tentasse explicar que não era assim, que na realidade aquilo não tinha em conta diversos factores, mas essas considerações eram desprezadas como de elementar ignorância.

Ora bem, o relatório deste ano traz alguns elementos curiosos para uma discussão que dificilmente vai existir, no actual clima de não-debate para além dos epifenómenos (uso dos smartphones, cidadania mais ou menos sexualizada, quantos alunos estão sem aulas em escolas com encarregados de educação com acesso a órgãos de comunicação social).

Um deles (p. 6 do relatório sobre Portugal) refere que “em Portugal, a percentagem da despesa pública na educação pré-escolar é de 67%, abaixo da média da OCDE de 86%, enquanto no ensino superior é de 61%, em comparação com a média da OCDE de 68%”. Outro vem na página seguinte e destaca que “entre 2015 e 2023, os salários nominais oficiais aumentaram 14% em Portugal para professores do ensino básico com 15 anos de experiência. Este aumento compensou apenas parcialmente o aumento do custo de vida. Em termos reais (ou seja, ajustados pela inflação), os salários dos professores diminuíram 4% ao longo do período de oito anos, em comparação com um aumento médio de 4% nos países com dados disponíveis”.

Há quem possa dizer, com orgulho: missão cumprida!

Professor do Ensino Básico. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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