Manuais escolares gratuitos valem bem duas horas numa fila
São 9.15 da primeira terça-feira de setembro quando chego à escola, sede do agrupamento onde a minha filha é aluna, e recebo da funcionária da portaria a senha para recolha dos manuais usados. Nem preciso de pedir, ou não fosse já longa a fila de pais e alunos que se amontoam no topo das escadas - uns sentados no único banco, outros de pé encostados ao gradeamento, outros ainda a aquecer-se ao sol -, junto à sala onde pilhas de manuais dos vários anos aguardam para ser entregues aos novos donos. As portas deviam abrir às 9.30, mas é já perto das 10.00 horas que chamam o número 1. Eu sou o 48. Depois de uma longa espera, pouco depois das 11.00 saio da escola com um saco cheio de manuais - este ano só Português e Matemática foram novos, todos os outros foram usados.
Nas duas horas de espera, ouvem-se algumas reclamações e muitas perguntas - Por que temos de fazer fila se temos senha? Por que não organizam a entrega dos manuais por anos para não acumular toda a gente nos mesmos dias? Por que é que não é cada escola a entregar os manuais dos seus alunos e está tudo concentrado na sede de agrupamento? - mas se há uma coisa em que quase ninguém pode discordar é que a gratuitidade dos manuais foi uma decisão acertada e que aliviou de forma substancial o orçamento das famílias ao entrarem no outono. Arriscando-me a aludir a Henrique IV e à frase “Paris vale bem uma missa”, apetece dizer que uns manuais escolares gratuitos valem bem duas horas de espera.
2016/2017 foi o ano zero da medida, que na altura abrangia apenas o 1.º ano do 1.º ciclo do Ensino Básico. Vigorava então a geringonça entre PS, PCP e Bloco de Esquerda. E a ideia era já alargar a gratuitidade a todos os anos de escolaridade, o que viria a acontecer três anos depois, a partir do ano letivo de 2019/2020 em todas as escolas públicas. E continuou com o atual Governo da AD.
A ideia de usar manuais que já foram utilizados pode ser relativamente nova em Portugal, mas há muito que é prática corrente em muitos países da Europa, da Dinamarca ao Reino Unido, da França à Noruega. E também na Suíça, onde cresci. Ainda me lembro de estar à espera numa sala cheia de manuais como aquela onde na terça fui buscar os da minha filha e de, mal me entregarem a minha pilha, ir logo à página inicial espreitar os nomes dos anteriores “donos” daqueles livros, que tinham de ali ser anotados para o caso de estes não serem devolvidos em perfeitas condições.
Daí o meu espanto quando, aos 13 anos, cheguei a Portugal e os meus pais tiveram de comprar os manuais. Um gasto considerável que, para muitas famílias, implicava fazer escolhas entre comprar o material escolar ou comprar roupa nova para os filhos começarem o ano letivo. E basta uma ida a uma papelaria ou um supermercado para comprar apenas os básicos dos básicos - dossier, folhas, lápis, canetas, borracha, um estojo e pouco mais, que este ano a mochila, cá em casa, até é reaproveitada - para se ver a conta a crescer e voltar a dar graças por não ter deixado um tostão em troca dos manuais. E eu só tenho uma filha, imaginem quem tem mais!
Como mãe só posso saudar que os decisores políticos tenham decidido mudar as coisas e tornar os manuais escolares grátis para os alunos do ensino público (os privados ficaram de fora, por enquanto).
Porquê para todos, incluindo quem tem meios para pagar, perguntarão alguns? Para todos, sim, porque a escola quer-se inclusiva. E agora, neste caso, os alunos mais carenciados estão em igualdade de circunstâncias com os colegas. E se os livros são pagos pelo Orçamento do Estado, cada encarregado de educação já contribui para ele de acordo com o seu rendimento - quem ganha mais desconta mais.
Com as aulas prestes a recomeçar e os miúdos a voltarem finalmente à rotina, muitos pais respirarão de alívio depois de três longos meses de férias. Nas mochilas - pesadíssimas, sempre, esse é outro problema que urge resolver -, os manuais estão garantidos, agora resta esperar que tenham todos os professores e que o ano traga menos greves e instabilidade e mais tranquilidade para garantir o melhor ensino possível. A todos.
Editora Executiva do Diário de Notícias