Luandino Vieira
Ourém homenageou Luandino Vieira, um dos seus mais ilustres conterrâneos, natural de Lagoa do Furadouro, para surpresa de alguns, já que a celebridade do escritor angolano e até o seu pseudónimo se devem à ligação íntima que estabeleceu com a cidade de Luanda. Tratou-se de uma iniciativa plena de significado, e foi com emoção que pudemos usufruir dos trabalhos realizados pelos estudantes das escolas sobre a obra do escritor.
Ficou mais uma vez demonstrado como a atividade educativa pode desempenhar um papel fundamental não apenas na troca e difusão de conhecimentos, mas também na mobilização das comunidades no desenvolvimento da Educação para a cidadania, pela construção de uma escola de cidadãos, como pretenderam os melhores pedagogos, de Maria Montessori ou John Dewey, até aos nossos Luísa e António Sérgio. Que melhor promoção da cultura senão através da leitura participada? As bibliotecas escolares estão, assim, no centro de qualquer vida cultural. E, deste modo, pudemos reler com os olhos de sempre a obra de Luandino Vieira, designadamente Luuanda, através da sensibilidade de alunos e professores de Ourém.
Graças à iniciativa de Agripina Carriço Vieira, foi possível mobilizar o Município de Ourém e o Instituto Politécnico de Tomar numa importante reflexão sobre a vida e o exemplo do escritor luso-angolano. E Roberto Vecchi visitou os Papéis da Prisão como testemunhos vivos da revelação do que Eduardo Lourenço designou como o “nosso impensado”, a resistência e o combate pela liberdade.
A força da cultura da nossa língua evidencia-se em tal determinação. E nessa reflexão, José Luís Pires Laranjeira, Lívia Apa, Tânia Macedo e Francisco Topa abriram horizontes sobre a vitalidade cultural de quando no livro Luuanda os casos se passaram “no musseque Sambizanga nesta nossa terra de Luanda”.
E eis que podemos descobrir o que Carmen Tindó Secco afirmou sobre o facto, “de um modo próprio e genial”, de Luandino ter recriado “a língua portuguesa para refletir a oralidade angolana”. Vem à memória Sagarana, o inesquecível livro de contos de João Guimarães Rosa, cujo espírito renovador se projeta na escrita de Luuanda.
E assim seguimos as três narrativas capitulares: “Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos”, “A estória do ladrão e do papagaio” e “A estória da galinha e do ovo”, que tanto entusiasmaram os jovens leitores de hoje, surpreendidos pelo inesperado da criatividade vivida entre o português e o quimbundo, língua viva dos musseques. Como afirma Margarida Calafate Ribeiro: esta obra “ganhou um lugar tanto na história portuguesa como na angolana como um momento-chave de enfrentamento”.
Quando Luandino Vieira recusou receber o Prémio Camões em 2006, fê-lo com o argumento de que não tinha então uma ação continuada no mundo literário. Contudo fica claro que a sua presença na cultura da língua portuguesa é marcante como demonstrou o Grande Prémio de Novelística atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores em 1965, que originou a perseguição política e o brutal fecho da instituição presidida por Jacinto do Prado Coelho.
O júri constituído por Alexandre Pinheiro Torres, Augusto Abelaira, Fernanda Botelho, João Gaspar Simões e Manuel da Fonseca reconheceu de forma pioneira uma obra muito importante na moderna literatura portuguesa, daí que o Prémio Camões caiba com inteira justiça a Luandino Vieira, numa análise global de tudo o que nos deixa.
Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian