Linhas vermelhas

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A crise económica e financeira do período 2008-2011 e os caminhos seguidos para a resolver abalaram os alicerces de vários sistemas políticos. Na Europa, o declínio dos partidos tradicionais foi acompanhado pela ascensão de novas forças políticas, muitas com um pendor radical, não obstante esta ser uma regra com importantes excepções.

Espanha mostra a regra e a excepção. O Ciudadanos, de centro-liberal, uma excepção à regra do radicalismo, cresceu da política regional catalã para o palco nacional. Um crescimento tão impressionante que ameaçou a hegemonia do Partido Popular à direita. E depois eclipsou-se. Foi vítima de tudo, até de si próprio: ambição desmedida assente em pouco discernimento.

Já o Podemos, plataforma das esquerdas radicais e extremas, agoniza em estertores sonoros. Entrar no Executivo pela mão do actual Presidente de Governo Pedro Sánchez desatou purgas internas ao estilo soviético, o que enfraqueceu o partido e delapidou a sua base eleitoral. Em simultâneo, sentado em poltronas ministeriais, o Podemos produziu leis destravadas, sectárias e com efeitos contraproducentes, aprofundando o enfraquecimento e a delapidação.

Acresce Ciudadanos e Podemos, embora sendo partidos diferentes com percursos distintos, coincidiram nos vícios da ‘velha política’. Prometeram uma nova forma de estar e superioridade ética, mas resvalaram para mais do mesmo. Resumo paradoxal: os dois partidos que estrangularam o bipartidarismo espanhol morreram a matá-lo.

A causa da desgraça será a mesma: o poder. A proximidade ao poder ou, por maioria de razão, o seu exercício expôs as debilidades das novas forças políticas, que careceram de experiência, recursos e solidez eleitoral para ultrapassar dilemas e provações.

Por sua vez, a direita radical populista do Vox, fenómeno político mais tardio, também cresceu de maneira significativa até assumir responsabilidades nos governos regionais. E isto porque as linhas vermelhas impostas no plano nacional espanhol não se estenderam à política local, onde se celebraram acordos entre Vox e PP. Também aqui o poder destapou fragilidades e tensões internas.

O Vox é o terceiro partido nacional, atrás dos tradicionais PP e PSOE. Ao contrário do Chega, por ora, não se vê como possa ultrapassar os socialistas do PSOE, nem que possa competir com o PP pelo lugar de primeiro partido de direita.

O caso espanhol sugere que as responsabilidades de governo fazem mossa nos novos partidos, em particular nos radicais. Mais do que governar bem e de maneira eficiente, estes partidos prometem países novos, puros e brilhantes. São expectativas difíceis de cumprir.

O Syriza, na Grécia, parece contar esta história. E as recentes eleições na Holanda, que mostraram os limites do PVV de Geert Wilders, podem ser lidas de acordo com uma lógica em tudo semelhante.

Pelo contrário, os países onde as linhas vermelhas são férreas e intransponíveis – França e Alemanha, por exemplo – têm direitas radicais fulgurantes, mas também forças da esquerda radical populista com resultados nada despiciendos.

Aqui chegados, insistir nas linhas vermelhas como um princípio absoluto, estranho a matizes e à experiência, diz mais sobre as obstinações de quem as propõe do que sobre a eficácia da proposta.

Politólogo.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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