Lembra-se do 115?

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Provavelmente, o primeiro pensamento leva-o ao antigo número de emergência médica, aquele que antecedeu o 112. Mas hoje não falamos de urgências hospitalares, e sim de outra urgência: a de recordar o 115.º aniversário da Implantação da República, celebrado ontem.

Houve o comunicado de Sua Excelência o Presidente da República, disponível no site da Presidência, o hastear da bandeira e o hino na Praça do Município. Gestos simbólicos, sem dúvida. Mas a ausência de uma cerimónia oficial de peso é, por si só, um diagnóstico da própria República, 115 anos depois da sua fundação, parece que já não sabe bem como se comemorar.

O dia foi, aliás, dominado por outras paixões nacionais. O dérbi FC Porto-SL Benfica monopolizou atenções, antecedido por um “Sporting vs. Braga” de aquecimento. E, entre os intervalos, os “ativistas” regressaram da chamada “flotilha”, tomando conta do espaço mediático, entre aplausos, polémicas e tragédias. Uma delas, a de um jovem que se agarrou a uma catenária e acabou internado. Como se não bastasse, este aniversário da República calhou no último domingo da campanha autárquica, motivo oficial para não se realizarem as comemorações do costume. O paradoxo é gritante: sem República, não haveria autarquias, e sem autarquias, não haveria campanha. A ideia de que um presidente de câmara poderia tirar proveito político de uma cerimónia nacional é a prova de que a bolha política se afastou perigosamente do país real.

Mais grave ainda é a sensação de que a melhor opção é não fazer nada. Que o imobilismo se tornou a estratégia nacional. Quando não se sabe o que fazer, opta-se por não fazer - e aplaude-se a prudência. É a mesma lógica que leva tantos portugueses a não votar: perante uma escolha confusa, com promessas repetidas e números abstratos, o impulso é desistir. Não admira que a abstenção nas autárquicas supere habitualmente a das legislativas. Afinal, quem consegue entusiasmar-se com slogans reciclados e milhões prometidos como quem oferece rebuçados? O que falta à República ,e às campanhas, é um discurso verdadeiro, simples, sem marketing nem notas de rodapé.

Pessoalmente, teria preferido ver o 115.º aniversário da República celebrado com a dignidade de outros tempos. Ainda mais agora, a apenas três meses das eleições presidenciais, quando nos preparamos para escolher o próximo inquilino de Belém. Uma escolha que só é possível porque existe República. Essa mesma República que, neste 5 de Outubro, muitos se esqueceram de celebrar.

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