Como é natural numa sociedade democrática, formatada no modelo de Estado de direito, em que cada cidadão deve ter a sua opinião e respeitar a opinião alheia, tomar decisões sobre assuntos públicos é, quase sempre, uma tarefa complexa.Aumentar a oferta de habitação acessível é, manifestamente, um propósito político, social e económico incontroverso. Mas como fazê-lo?Uns inclinar-se-ão no sentido de promover a construção de imóveis por privados e a sua colocação no mercado de compra ou no de arrendamento. Como? Estes quererão penalizar os proprietários que não vendam nem arrendem, expropriando os imóveis, impondo o respetivo arrendamento com valores de renda limitados, ou aumentando a carga fiscal sobre eles. Aqueles defenderão incentivos fiscais à venda e ao arrendamento ou quererão facilitar os despejos.Para muitos outros, o problema apenas se resolverá com a construção de habitação pública, pelo Estado ou pelas autarquias locais.Seja qual vier a ser a solução do problema ela passará por três pontos essenciais.Em primeiro lugar, terá de resultar de uma combinação de instrumentos, uma vez que nenhum, considerado individualmente, poderá resolver o problema. A limitação das rendas, por exemplo, por si só, não será bastante; mas articulada com incentivos ao arrendamento, poderá funcionar.Em segundo lugar, esses instrumentos têm de ser harmonizados, para não se prejudicarem reciprocamente. Expropriar edifícios desincentivará o investimento imobiliário.Por último, a política de habitação há de satisfazer as necessidades de habitação dos cidadãos que carecem desta, à custa do menor sacrifício possível dos cidadãos negativamente afetados – proprietários privados de imóveis que enfrentem reduções das rendas que recebem, por exemplo –, tudo isto num quadro de recursos públicos limitados. É a isto que os juristas chamam proporcionalidade, que prefiro designar, simplesmente, justiça material (muito embora esta não se limite ao respeito pela proporcionalidade).A justiça material, no plano social, concretiza-se na arbitragem de interesses conflituantes, públicos e privados, apontando no sentido de resultados globalmente benéficos, resultados que, não sendo os mais desejados e satisfatórios para todos, sejam aceitáveis para a maioria.Num Estado de direito democrático, a justiça material deve ser um objetivo político sistematicamente prosseguido, uma vez que é indispensável à manutenção de equilíbrios estáveis entre interesses antagónicos. Só dessa forma se poderão evitar roturas no tecido social, que, a ocorrerem, porão em causa o Estado de direito democrático, abrindo caminho a derivas autoritárias. Antigo presidente do Tribunal Constitucional e subscritor do Manifesto 50+50 pela reforma da justiça.