Infelizmente temos de afirmar o óbvio: uma democracia tem regras
A pessoa (se for uma) ou pessoas (se forem duas) que costumam ler estas linhas poderão estar a pensar (sejamos otimistas e pensemos que são duas) que o título é tão obvio que não precisava de ser dito. Não fosse a guerra que se desenrola no Médio Oriente e eu também o diria. De facto, um Estado não se confunde com uma organização terrorista e uma democracia não é uma ditadura.
Infelizmente, nos dias que correm, parece ser útil, senão mesmo necessário afirmar o óbvio.
E o óbvio começa por dizer o que todos já sabemos. Israel é um Estado soberano, reconhecido internacionalmente e membro de pleno direito das Nações Unidas e, por seu lado, o Hamas e o Hezbollah são organizações terroristas.
A segunda coisa óbvia que parece ter de ser dita é que Israel tem direito a defender-se e as pessoas que estavam a assistir a um concerto e que foram mortas ou raptadas há um ano eram inocentes.
Mas há mais coisas que são igualmente óbvias e que devem ser igualmente ditas. As pessoas que vivem em Gaza também são inocentes e têm tanto direito a viver as suas vidas em paz e segurança como tem quem vive em Israel ou em Portugal, ou em qualquer outro lugar do mundo. A ideia de culpa coletiva, onde apontamos o dedo acusador a todo um povo acabou nos Julgamentos de Nuremberga no final da Segunda Guerra Mundial. E se há povo na triste História da Europa que o sabe bem, é o Povo de Israel, que foi sujeito a perseguições ao longo de séculos e à tentativa de extermínio sistemático há tão pouco tempo, que muitos dos que resistiram aos Campos ainda estão vivos.
Se tudo é óbvio, para quê repeti-lo? Porque nem tudo o é. Um Estado soberano, membro das Nações Unidas e que se diz uma democracia tem um conjunto de obrigações e de deveres perante o mundo, outros Estados, as suas próprias instituições e a sua população. Mesmo, ou até principalmente, quando quem está do outro lado do conflito é uma organização terrorista. De facto, por ser um Estado soberano e uma democracia, é fundamental que essas regras e essas obrigações sejam consideradas, respeitadas e implementadas. Caso contrário, o que distingue um Estado soberano e democrático de uma organização terrorista? Se não forem as leias e as regras, as obrigações que os Direitos Humanos e o Estado de Direito impõem às democracias, nada as separa de uma ditadura e pouco as distingue de quem não olha a meios para atingir os seus fins.
A história do Médio Oriente está marcada pelo sofrimento e pela morte de pessoas, de um lado e do outro das fronteiras, que nada mais querem do que viver as suas vidas em paz. Uma democracia tem a obrigação de garantir que quem nada deve possa viver um dia banal seguido de outro dia igualmente maçador.