“Imigrantes qualificados” ou o País esquecido?

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As campanhas eleitorais para os governos locais - sejam municipais ou de freguesia - são, talvez, as únicas em que a proximidade conta verdadeiramente. A oportunidade de falar com as pessoas sobre a sua atividade, visitar instituições, conhecer os seus problemas oferece-nos lições valiosas, de governo e até de vida. Algumas são específicas daquela associação, daquele bairro, daquela freguesia. Outras, porém, têm um alcance mais geral e merecem uma reflexão alargada.

Hoje quero destacar apenas um desses problemas, que ouvi de forma recorrente e do qual me lembrei esta sexta-feira — Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza — precisamente no mesmo dia em que o Governo celebrava, com entusiasmo, a promulgação pelo Presidente da República da nova Lei de Estrangeiros, que limita fortemente a imigração.

Em muitas visitas e contactos aqui no município de Coimbra, ouvi referida a preocupante falta de quem cuide das pessoas idosas, mais frágeis e com menos autonomia. As instituições sociais enfrentam listas de espera cada vez maiores e mesmo quando há vontade e capacidade para abrir novas respostas, esbarra-se na falta de cuidadores. A saída de uma cozinheira, por exemplo, pode transformar-se numa verdadeira crise, para que não seja interrompida a alimentação diária de dezenas de utentes.

Portugal tem um dos índices de envelhecimento mais elevados da União Europeia, com cerca de 2,5 milhões de pessoas com 65 ou mais anos, havendo 38 idosos para cada 100 pessoas em idade ativa. Para agravar a situação, mais de um em cada cinco idosos tem um rendimento abaixo do limiar da pobreza. Muitos vivem sozinhos ou com famílias que também enfrentam dificuldades, estimando-se que cerca de um em cada quatro idosos seja dependente.

Esta situação exige mais instituições de cuidados do setor público e social, e mais pessoal ao seu serviço. Aprendi, aliás, que a falta de pessoas disponíveis para exercer funções exigentes e relativamente mal remuneradas não se limita ao setor social. A mesma escassez, que já hoje é assegurada em grande parte pela imigração, sente-se também em outras profissões essenciais, por exemplo, na recolha de resíduos ou no transporte público. Há uma crise silenciosa de mão-de-obra em áreas que sustentam o funcionamento básico da sociedade.

Por isso, quando nesse mesmo dia ouvi o Ministro da Presidência afirmar, com a habitual sobranceria, que Portugal necessita é de “imigrantes qualificados”, não pude deixar de pensar que, além de procurar diplomas e currículos brilhantes, o Governo deveria reconhecer a importância de atrair também quem sustenta discretamente o País real nos seus alicerces - as mãos que alimentam, cuidam e aconchegam os mais frágeis e que garantem os serviços mais exigentes. Ainda nos vamos arrepender desta displicência sectária.

 Ex-deputada ao Parlamento Europeu

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