Imigração em tempos de emigração

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Um recente estudo apresentado na Alemanha e divulgado pela imprensa calculou que este país precisará de, pelo menos, 288 mil novos trabalhadores estrangeiros por ano até 2040, apenas para manter a força de trabalho no volume atual, em torno dos 46 milhões de trabalhadores, ameaçada pelas alterações demográficas e especialmente pelo envelhecimento da população. Aquele número, num cenário mais pessimista do mesmo estudo, pode chegar a 368 mil novos trabalhadores estrangeiros por ano. As áreas mais carecidas de trabalhadores são as da enfermagem, tecnologias, construção e logística, envolvendo trabalhadores mais diferenciados, mais qualificados.

Para a realidade portuguesa atual e futura, isto não são boas notícias. A nossa capacidade de competir com a oferta global da Alemanha pela mão-de-obra mais qualificada é francamente reduzida. E o passaporte português significa que é rápido e simples aceder ao mercado de trabalho alemão, ao contrário do que sucede com os imigrantes de fora da União Europeia - mas para quem a Alemanha está a simplificar as regras de entrada e permanência, perante as necessidades.

A não ser que a Alemanha externalize a sua população mais envelhecida e lhe crie uma enorme casa de acolhimento com sol, praia e aproveitando os poucos enfermeiros pagos a 1.000 euros que restarão neste canto da Europa, o que não é seguro que não suceda já, o que se segue será ainda pior.

A mesma realidade verifica-se noutros países da União Europeia, confrontados com o envelhecimento da população, a falta de pessoas para trabalhar, a pressão nas contas da Segurança Social e nos Sistemas de Saúde. E, contra estes factos, mesmo países e governos anti-imigração veem-se na necessidade pragmática de procurar atrair trabalhadores, pressionados pelas suas empresas. A triste ironia de uma prolongada guerra na Ucrânia ser também uma oportunidade para a captação de mão-de-obra qualificada para a Europa é só um dos aspetos deste quadro mais complexo.

Não obstante estas necessidades objetivas, nunca provavelmente como hoje as democracias europeias se confrontaram com uma reação tão explícita por parte da sua população contra esse outro, o imigrante. O imigrante que nunca é apresentado como consumidor, como contribuinte fiscal, como pagador de propinas, como taxado para a Segurança Social, como arrendatário... mas apenas como utilizador de serviços públicos de Saúde ou de Educação, quando não um alegado abusador de direitos sociais em geral.

Num país tão marcado pela emigração, nos últimos 200 anos, devia surpreender, mas já nem surpreende. Apesar da retórica do elogio das comunidades portuguesas pelo mundo, da sua presença histórica no Brasil, da sua presença maciça na reconstrução europeia do Pós-Guerra, também a emigração dos portugueses deixou por cá e levou consigo esses traços tão próprios da nossa identidade, desde logo a inveja, o ressentimento, a pequena mesquinhez. Mesmo quando diluídos em agosto com vinho, sardinhas e a vingançazita dos emigrantes com a sua música da saudade (saudade da pobreza e da pequenez?), alto e bom som.

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