Multiplicam-se as publicações e análises, entre a disputa política e a abordagem académica sobre o fenómeno, nem sempre claro, do que se qualifica como “populismo”, em especial na sua relação com a ascensão dos movimentos de extrema-direita ou direita radical na Europa e nas Américas. Há alguns anos, houve agitação semelhante, embora com menos intensidade, a propósito da chegada à esfera do poder, ou às suas margens, de partidos da extrema-esquerda (com diversas configurações na Grécia, em Portugal ou Espanha). A maioria dos analistas concorda no carácter difuso do fenómeno, que pode cobrir diversas realidades, movimentos e propostas, mas tem alguma rapidez em identificar as formações políticas que o corporizam em cada situação nacional, mesmo se nem sempre coincidem na identificação das motivações dos seus apoiantes, achando-lhes falta de coerência. No entanto, o eleitorado da maioria dos partidos, ditos “populistas” ou “radicais”, no presente, como no passado, caracteriza-se por uma oscilação entre a vivência de uma realidade que se apresenta como hostil, seja em termos de vulnerabilidade económica, da percepção de um declínio social ou de ameaça ao que se entende por “valores” culturais identitários, em diferentes combinações, e o evidente escapismo das soluções que são apresentadas como claras e evidentes para a ultrapassagem destes problemas. Há quem destaque o carácter “emocional” da adesão às propostas populistas como se ela não resultasse de uma reacção a uma realidade concreta, experienciada como ameaçadora. Considera-se a opção pelo voto “radical” como algo do domínio do irracional, quando o que está em causa é o desejo de acreditar na possibilidade de resolver o mais depressa possível os problemas prementes de uma vida diária causadora de ansiedade: o emprego precário, a transformação da vizinhança, a falta de serviços de saúde públicos funcionais, a perda de referências identitárias estáveis, os atrasos do aparelho judicial. Quando o que está em causa é a fuga a uma “hiper-realidade”, não propriamente no sentido que lhe deu Baudrillard ou Benjamin, mas no da intensificação de um quotidiano vivido em sofrimento, ou seja, o contrário de qualquer simulacro. Sendo que essa fuga, numa deriva escapista, é que acaba por acreditar numa realidade alternativa, ficcionada, falsamente utópica, onde existe a esperança num “mundo melhor”, de menor esforço, projectada para um futuro que se deseja imediato. Todas as formações partidárias que pretendem chegar ao Poder, de uma forma ou outra, prometem um futuro melhor para o maior número possível de indivíduos em busca da sua adesão. Nesse aspecto, todos são “populistas”. A diferença é que as novas propostas eliminam qualquer complexidade nas soluções e prometem escapar à realidade hostil, no imediato, criando expectativas irrealistas, ou seja, um simulacro de realidade. Professor do Ensino Básico.Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico