Governo e Câmara Municipal de Lisboa. Antes de consultarem o capricho, consultem a carteira

Há em Portugal uma enorme insensatez no que respeita a utilização de dinheiros públicos. Recentemente, ficámos a saber que o custo do palco que o Papa vai usar na Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 vai custar-nos a módica quantia de 4,2 milhões de euros, mais IVA e mais 1,06 milhões de euros para as fundações indirectas de cobertura.

Isto quando ainda não tínhamos despertado do pesadelo dos gastos da indemnização de meio milhão de euros a uma administradora da TAP que saltitou, alegremente, de empresa pública em empresa pública, até aterrar no Governo como secretária de Estado do Tesouro.
Os caros leitores perguntarão qual a ligação do custo do palco do Papa com os desmandos indemnizatórios do actual governo.

Pois bem, o que junta os dois casos é a enorme falta de respeito das instituições (Câmara Municipal de Lisboa e Governo) pela situação financeira do país e pelas dificuldades económicas e sociais que uma parte considerável da população portuguesa está a viver. A atitude da CML ao atribuir uma verba de quase cinco milhões de euros para a construção de um palco revela a mesma insensibilidade social que a praticada, também, na atribuição de indemnizações de meio milhão de euros a administradores de empresas públicas.

Não sabemos bem o que passa pela cabeça de responsáveis políticos que parecem viver num outro mundo que não o do comum dos mortais que, diariamente, enfrentam as dificuldades do dia- a-dia.

A Câmara Municipal de Lisboa ao gastar uma verba de quase cinco milhões de euros num palco deveria talvez pensar no elevado número de sem- abrigo que, cada vez mais, proliferam pela cidade. Deveria reflectir, igualmente, nas insuficiências habitacionais que a capital vive, nos investimentos que há a fazer no apoio aos mais idosos. Deveria pensar mais nos milhares de lisboetas que vivem hoje com carências alimentares e em pobreza energética.

Mas não! Segue a mesma cartilha perdulária do governo com a atribuição de indemnizações milionárias a gestores de empresas públicas.

Não se entende isto num país sem dinheiro para aumentar os depauperados vencimentos dos professores, para reparar as escolas sem condições aceitáveis de funcionamento.

Não se pode aceitar esta atitude gastadora e irresponsável num país onde a saúde dá evidentes sinais de fragilidade, onde os médicos emigram para o sector privado porque o governo não lhes paga o suficiente para se fixarem nos hospitais públicos.

Seguramente que há prioridades e deveria haver da parte das instituições a sensatez e o equilíbrio no sentido de definirem como prioritário o apoio e a protecção dos mais frágeis e dos, socialmente, mais desprotegidos. Ou, muito simplesmente, não gastarem dinheiros públicos ao desbarato. Um palco decente custará 300 a 400 mil euros. Qual a necessidade de gastar cinco milhões de euros mesmo que, anualmente, esse palco venha a receber a Web Summit? Um palco que pelo seu custo, seguramente, deixará incomodado o Papa Francisco, conhecida como é a sua postura humilde e frugal na vida.

Do mesmo modo que nada explica que a administradora de uma empresa pública receba meio milhão de euros para se transferir de malas e bagagens para outra empresa pública, também não é aceitável que um palco para uma celebração católica vá custar a todos nós, católicos ou não, quase cinco milhões de euros.

Tudo isto é difícil de aceitar pela população a quem se pede sacrifícios. Que dirão os dois milhões de pobres sem acesso aos bens mais básicos?

É urgente que haja algum bom senso e racionalidade na utilização de dinheiros públicos. Caso contrário não venham depois os partidos do arco da governação, PS e PSD, queixarem-se do aumento dos populismos e do crescimento de forças extremistas que aproveitam ao tutano esta insensibilidade social para se afirmarem.


Jornalista

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