Feminização judiciária?

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Em grande número dos  países da OCDE,e em particular nos da UE, vem-se acentuando a “feminização da magistratura”, falando-se até de “feminização do judiciário”. A participação feminina já no início da década  ultrapassava a média dos 57 % - e na 1.ª Instância tinha, bem antes, excedido o limite convencional das “profissões mistas” (60 %).

Isto representa uma evolução notável, atendendo a que na generalidade desses países só ao longo do séc. XX, e às vezes bem tarde, foram caindo as disposições proibitivas ou fortemente limitadoras do acesso das mulheres a essas funções. Por exemplo, em Portugal, em 1973, ainda apenas reivindicávamos no Congresso da Oposição Democrática o fim dessa proibição.

Em França - com um sistema de ingresso a que o nosso se aparenta -, há bom tempo que se passou a marca dos 70%. Uma juíza que exerceu funções de presidente em Poitiers evocava, em diálogo recente, a experiência de percorrer sucessivas salas de audiência em que formações compostas de mulheres julgavam homens. Em função dessa realidade, há alguns anos que nesse país (como aliás noutros) foram assumidas iniciativas e prioridades visando não só a “diversificação de perfis” como até o “regresso à profissão mista”.

Portugal integra os dez países que registam mais elevada participação feminina. É uma bela resposta da História a um regime que não só sempre barrou o acesso às mulheres como também, já na segunda metade  do séc. XX, se atreveu a alargar a escolaridade obrigatória para os 4 anos… só para o sexo masculino.

Mas mais relevante, agora, para o futuro próximo é o que ressalta das publicações do Centro de Estudos Judiciários: as entradas de candidatos do sexo masculino situam-se, em média, abaixo dos 25% - e, às vezes, mesmo muito abaixo -, o que só pode significar que o desequilíbrio entre sexos tenderá a acentuar-se. Se não forem assumidas as soluções apropriadas, as dimensões serão surpreendentes: num escrito vindo a lume já foi referido um nível futuro de feminização do judiciário na ordem dos 70/80%.

Sublinha-se, na abordagem da OCDE,que os níveis de feminização mais elevados ocorrem nos sistemas que apostam no ingresso logo após a conclusão dos estudos jurídicos. E investigações de carácter interdisciplinar, incidindo sobre diversas realidades, vão sugerindo que quanto mais cedo se fizer a selecção dos candidatos, mais adversa ela se revelará para o sexo masculino.

Quem administra a Justiça “em nome do povo” - e também quem acusa - não pode, sem sérias consequências, vir a perfilar-se como um corpo  com uma composição distanciada da que caracteriza a sociedade. Representatividade, equilíbrio entre sexos, diversidade, neutralidade e imparcialidade são, por isso, já hoje, em países de diferentes tradições jurídicas, valores e preocupações bem presentes na adopção de soluções para o ingresso na magistratura. Indo o legislativo actualizar em breve as regras aplicáveis na matéria, oxalá o que é apresentado como urgente não impeça a compreensão do que é importante.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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