EVs na UE – uma política climática sem dimensão social

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Depois da crítica no Relatório Draghi à política europeia para o setor automóvel - “uma política climática sem uma política industrial” - Carlos Tavares (CT), ex-CEO do Grupo Stellantis, veio acrescentar que a UE chegou a um “beco sem saída” nos veículos elétricos (EV) porque se esqueceu da “dimensão social”.

Há outras vertentes e fatores relevantes que CT aborda para criticar o processo que conduziu o setor automóvel europeu à situação de crise atual. Porém, o foco na “dimensão social” é fulcral. Porquê? Porque a política europeia para o setor está focada no cumprimento de metas para a transição climática sem cuidar dos potenciais problemas quanto à dimensão social - seja ao nível do rendimento disponível das famílias, seja ao nível do emprego.

Uma parte desta política europeia foi baseada em wishful thinking. Acreditou-se que a procura de EV seria sempre crescente; em boa medida porque se acreditou que o preço dos EV baixaria com o tempo (como sucedeu com os computadores e demais produtos eletrónicos). Ora, CT vem relembrar que o custo de um EV é “cerca de 40% a 50% mais do que um veículo térmico” (ICE).

A procura de EV foi grande enquanto a procura dependia de famílias com elevado rendimento disponível e empresas e entidades institucionais desejosas de cumprir objetivos de desenvolvimento sustentável. Os [imensos] segmentos populacionais com baixo rendimento disponível - em Portugal 56% da população tem um rendimento 1000€ / mês e 1,8 milhões estão (2023) em situação de pobreza monetária (rendimento < 632€ / mês) - não vão poder dar-se ao luxo de mudar de veículo porque as altas esferas europeias decidiram que assim deve ser.

A queda na venda de veículos na UE (-5,4% em EV, mas também de veículos ICE) em 2024 e a estagnação nas vendas de EV em cerca de 13% de quota de mercado revelam isso mesmo.

Por outro lado, os limites impostos pela legislação europeia, de 93,6 gramas de CO2/km de emissões médias dos veículos novos vendidos em 2025, leva os fabricantes automóveis na UE a ter de reduzir a produção de veículos ICE e promover despedimentos massivos para não violarem essas médias, sob pena de se sujeitarem a multas avultadas. Isto num cenário internacional em que os EV chineses são muito mais competitivos - sobretudo os de grupos integrados verticalmente (com produção de baterias elétricas) - e, nos EUA, Trump recusa qualquer transição de veículos ICE para EV.

Entretanto, a Bloomberg anuncia que o PPE (ler, a Comissão) não aplicará multas este ano, “sem mexer nas metas de emissões para o setor automóvel” (!).

A Comissão Europeia e o Parlamento Europeu elogiam o Relatório Draghi, mas não aprenderam nada. Porém, apesar do não respeito pela maioria dos cidadãos europeus, com rendimentos baixos, vão ter mesmo que alterar a política e as metas irrealistas porque são inexequíveis em termos sociais.

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