Estagnação digital
Fui surpreendido há uns dias pela notícia de estar o Ministério da Educação a pedir a recolha dos routers portáteis e cartões SIM para acesso gratuito à internet fornecidos a alunos e professores, com exceção daqueles que estão abrangidos pela Ação Social Escolar. E fui surpreendido pela sua evidente insensatez, mais do que pela habitual estratégia de poupança míope, muito praticada pela governação na área da Educação.
Insensatez mais notória quando o ministro nos tem surpreendido por um inusitado bom senso nas suas intervenções e maioria das medidas anunciadas. Porque esta decisão, quando se tem repetido a intenção de continuar a promover uma transição digital nas escolas, pretendendo continuar a disseminação das provas de avaliação externa em suporte digital, não faz qualquer sentido, a não ser o da poupança.
Fazendo uma breve retrospetiva, é bom relembrar que a pandemia e o confinamento, com o consequente encerramento das escolas, funcionaram como catalisador da promoção de ferramentas digitais no Ensino Básico e Secundário, iniciando-se um processo de empréstimo dos chamados kits tecnológicos a alunos e professores. Os equipamentos cedo revelaram as suas limitações, estando muitos deles já “incapacitados”, não tanto por mau uso, mas mais pela sua própria fragilidade.
Curiosamente, os routers, essenciais para o funcionamento das redes de comunicação nas comunidades educativas, revelaram-se o elemento mais resiliente dos referidos kits, assim como permitiram o aproveitamento de outros equipamentos para tarefas realizadas em contexto de sala de aula ou na modalidade de trabalho autónomo.
A anunciada substituição dos equipamentos de acesso individual à internet por um hotspot a utilizar coletivamente apenas nas salas de aula, mediante requisição pelo professor para o efeito, para a realização de tarefas em suporte digital põe em causa algumas das maiores vantagens de uma metodologia de trabalho que combine os momentos síncronos com os assíncronos, assim como uma abordagem pedagógica que associe o trabalho presencial nas aulas com o trabalho autónomo individual.
Além disso, não se compreende que se disponibilizem manuais gratuitos, com bastantes conteúdos e materiais digitais, independentemente do contexto socioeconómico dos alunos, mas depois se usem outros critérios para o acesso a esses mesmo materiais.
Até porque isso contraria, de igual forma, a promoção de abordagens híbridas e diferenciadas do processo de aprendizagem dos alunos, que não se limitem ao tempo-espaço da aula em sala. Esta medida, a ser mesmo concretizada, empobrecerá bastante as possibilidades abertas pelos meios digitais ao concentrar no tempo e espaço a sua mobilização.
Compreendo que a manutenção destes equipamentos, para além do custo da sua aquisição, é um encargo permanente que as operadoras não facilitam. Mas há que assumir as opções feitas e decidir se a aposta na chamada “transição digital” é um epifenómeno ou se é algo estrutural. Se é algo para continuar, no contexto da escolaridade obrigatória, cuja gratuitidade é garantida pela Constituição, não faz qualquer sentido exigir aos alunos e famílias que tenham encargos obrigatórios, decorrentes de exigências feitas pelo Estado.
Ao que acresce a estranha lógica coletivista do acesso digital único em sala de aula numa equipa governativa que se apresenta como crente no pluralismo defendido pelos ideais liberais.