À espera da próxima cimeira Trump-Putin

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Autora de livros como Gulag ou A Cortina de Ferro, a jornalista e historiadora americana Anne Applebaum afirmou em entrevista ao DN que não pode ser dado como certo o desfecho da guerra entre a Rússia e a Ucrânia: “Penso que ainda é possível imaginar uma vitória da Ucrânia. E, mais importante, lembre-se: a Rússia perde guerras. A Rússia perdeu a Guerra da Crimeia. A Rússia perdeu a Guerra do Japão em 1905. A Rússia perdeu efetivamente a Primeira Guerra Mundial. A Rússia perdeu a guerra contra a Polónia em 1920, a Guerra Polaco-Bolchevique. A Rússia perdeu a Guerra Fria. A Rússia perdeu a Guerra no Afeganistão. Perde frequentemente guerras, e muitas vezes, quando perde, há uma mudança política depois. Por isso, as mudanças políticas na Rússia acontecem quase sempre por causa das derrotas militares. Por isso, é bem provável, de facto, que, a dada altura, esta guerra se torne demasiado para Moscovo. Dirão: ‘por que estamos a lutar? Já tivemos um milhão de mortos ou feridos. Estamos a perder milhões de dólares todos os anos e não estamos a ganhar’. E finalmente a guerra tornar-se-á insustentável”.

Já depois da entrevista, feita numa passagem de Applebaum por Lisboa, para ir ao Fólio em Óbidos, Donald Trump voltou a ter uma conversa telefónica com Vladimir Putin, tendo ambos concordado em encontrar-se em Budapeste em data a definir. E no dia seguinte ao telefonema com o líder russo, Trump recebeu na Casa Branca Volodymyr Zelensky, uma reunião que ficou aquém das expectativas do presidente ucraniano, pois a promessa de fornecimento de mísseis Tomahawk terá ficado, no mínimo, adiada.

Mesmo sendo um aliado dos ucranianos, o presidente americano vê-se também como um mediador no conflito e não esconde que a sua prioridade é acabar com a guerra, o que terá dito tanto a Putin como a Zelensky. Aliás, Trump foi bem explícito, numa mensagem nas redes sociais, sobre o apelo que fez aos dois líderes no espaço de 24 horas: “o encontro com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky foi muito interessante e cordial, mas disse-lhe, como também sugeri veementemente ao presidente Putin, que é hora de parar com a matança e fechar um ACORDO!”. Trump acrescentou que “já houve bastante derramamento de sangue”, pelo que “devem parar”. E escreveu ainda: “Que ambos reivindiquem a vitória, que a História decida! Chega de tiroteios, chega de mortes, chega de gastos altíssimos e insustentáveis”.

Uma negociação para parar a guerra é uma coisa, um acordo de paz é outra. Trump, que sempre disse que se em 2022 ele fosse o presidente americano a invasão russa não teria acontecido, e que durante a campanha que levou à sua vitória em 2024 prometeu acabar com a guerra numa questão de dias, está decidido a pôr fim à “matança” e espera convencer ucranianos e russos a sentarem-se à mesa. Tal como aconteceu em relação à guerra em Gaza, a prioridade é um cessar-fogo. E tal como para Gaza, é previsível que um plano seja apresentado em paralelo para preparar, em fases, o futuro.

Acontece que no terreno a Rússia tem vantagem. Há vastos territórios do Leste da Ucrânia sob controlo dos militares russos, alguns até anexados formalmente. E a resistência ucraniana, embora tenha impedido o planeado passeio dos tanques russos até Kiev, mais facilmente tem conseguido enviar drones contra refinarias na Rússia do que forçar o inimigo a recuar no Donbass. A guerra relâmpago pensada pelos russos em fevereiro de 2022 tornou-se nestes três anos e meio uma guerra de desgaste, para ambos os lados. As baixas acumulam-se, as economias sofrem, e mesmo que as vozes discordantes sejam abafadas, muito mais em Moscovo do que em Kiev, a ideia de uma saída negociada tem apelo.

Também numa entrevista ao DN, publicada em agosto, o repórter do Wall Street Journal Yaroslav Trofimov, nascido em Kiev e que tem coberto para o jornal americano a guerra, comentava sobre a possibilidade de uma vitória ucraniana, fruto da resistência do país e do apoio da Europa e dos Estados Unidos: “Bem, as tropas russas deveriam estar em Kiev em março de 2022 e não estão, pois não? Acho que tudo depende da forma como se define vitória. A sobrevivência da Ucrânia como um país totalmente independente que ainda controla 80% do território enquanto luta sozinho contra uma superpotência nuclear - isso já é uma grande vitória. Não conheço muitos países que teriam sido capazes de enfrentar a Rússia numa guerra em grande escala e não serem derrotados em semanas”.

Sim, a Rússia, herdeira da União Soviética, é uma superpotência nuclear. Perdeu algumas guerras, sim, como Applebaum, repórter da Atlantic, casada com o chefe da diplomacia polaca, denunciou, mas também ganhou muitas, e no imaginário russo destacam-se a vitória sobre Napoleão no século XIX e o triunfo sobre Hitler no século XX. É uma superpotência nuclear com fragilidades, e são essas fragilidades que podem ajudar Trump a levar Putin a negociar e permitir a Zelensky esperar que o desfecho não seja um mero congelamento da linha da frente. O entusiasmo de algumas figuras próximas do Kremlin pela perspetiva de um pós-guerra de cooperação económica com os Estados Unidos é interessante, incluindo a proposta de um túnel sob o Estreito de Bering, tal como é interessante que a Rússia recentemente tenha proposto prolongar por um ano o tratado de desarmamento nuclear New Start.

Trump parece mesmo interessado em usar a força dos Estados Unidos para impor a paz em vários conflitos, e este entre a Ucrânia e a Rússia é aquele que mais ameaça desestabilizar o planeta. Demasiadas vezes nestes três anos e meio se falou do risco de uma guerra nuclear, caso do apoio em armamento à Ucrânia o Ocidente passasse ao confronto aberto com a Rússia. Trump e Putin continuam a medir-se. Depois da cimeira no Alasca, em agosto, pouco ou nada aconteceu. Agora, o que esperar da reunião ainda sem data na capital da Hungria, um país, não esquecer, da UE e da NATO que insiste em manter pontes com a Rússia?

A imprevisibilidade de Trump pode aqui jogar a favor dos Estados Unidos e da Ucrânia, uma vez que deixa a Rússia incerta sobre o que pode vir a seguir, pois se a América trava a venda de Tomahawks, não deixa de fornecer informações importantes aos ucranianos, nomeadamente dados recolhidos por satélite, por exemplo, sobre instalações petrolíferas russas. Putin pode continuar a exigir a capitulação da Ucrânia, mas sabe que os Estados Unidos precisam de cedências russas nas negociações para Trump poder reivindicar que teve sucesso. Só uma certeza: nem Trump, nem Putin, nem Zelensky podem contar com um desfecho 100% favorável.

E a Europa também tem as suas expectativas sobre o que pode sair das negociações sobre o futuro da Ucrânia impulsionadas por Trump, nomeadamente os países que historicamente mais receiam uma Rússia expansionista, como a Polónia e os países bálticos ou a Finlândia, e que apostam na defesa da integridade territorial e da soberania ucraniana como o principal garante da manutenção da sua integridade e soberania perante um inimigo no qual não confiam.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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