Epidemias
Todos reconhecem que Hipócrates (460 a.C. - 377 a.C.) é a figura mais importante da Medicina. Adquiriu elevado prestígio na Antiguidade Grega. Foi ele o primeiro a atribuir causas naturais às doenças, ao contrário do que até então se julgava. As doenças deixariam de estar associadas a crenças religiosas, à magia ou a teorias filosóficas. Criou, na ilha de Cós, a lendária Escola para médicos que passou a separar a Medicina da Filosofia. Curiosamente, pouco se sabe sobre a vida de Hipócrates e daquilo que terá escrito. Admite-se que a sua obra, compilada e traduzida na Biblioteca de Alexandria, terá tido muitos dos seus discípulos como autores e não apenas Hipócrates. Ora bem, dois dos famosos livros, editados na época, foram dedicados às EPIDEMIAS.
Na altura, o historiador grego Tucídides (460 a.C. - 400 a.C.), contemporâneo de Hipócrates, presenciou e descreveu a onda epidémica da doença que devastou Atenas durante a guerra contra Esparta, no Século V antes de Cristo. Estranhamente, apesar de contemporâneos, Hipócrates ignorou os minuciosos relatos que Tucídides fez sobre a epidemia de Atenas.*
Muito bem documentada foi, também, na época, a epidemia de papeira (mencionada como inchaço atrás das orelhas por vezes acompanhado de inflamação dos testículos), ocorrida na ilha grega de Thassos, no mar Egeu.
Cluster: aglomerado de casos de uma mesma infeção com relação temporal e espacial entre eles. O elemento temporal impõe que os casos sejam diagnosticados dentro do período de incubação da doença e a componente espacial refere-se ao local de contágio. É a situação, por exemplo, correspondente à identificação de covid-19 em membros da mesma família, em dias sucessivos, que convivem no mesmo espaço sem medidas de proteção.
Epidemia (do grego epi = sobre; demos = povo): tal como resulta da origem grega da palavra, uma epidemia refere-se unicamente a seres humanos quando uma doença surge em determinada região em excesso face ao habitualmente esperado. Nestes termos, um só caso de raiva humana, em Portugal, poderia constituir uma epidemia.
Pandemia: uma epidemia que se propaga, rápida e simultaneamente, a nível mundial. Apontam-se, como exemplos, a gripe pneumónica de 1918, a gripe asiática de 1957, a sida a partir de 1980 ou, nos tempos de hoje, a covid-19.
Endemia: refere-se à presença habitual de um agente infeccioso ou de doença em determinada região e população (paludismo na Guiné-Bissau).
Epizootia (do grego zoon = animal): doença que atinge animais da mesma espécie e na mesma região. Como, por exemplo, a Doença de Newcastle das aves.
Enzootia: doença de animais que é habitual na mesma região como Monkeypox em macacos em África, tendo roedores como reservatório.
Epifitia (do grego phyton = planta): doença vegetal com caráter infeccioso que se propaga em plantas de uma mesma área. Como referência, a título de exemplo, na Irlanda, na década de 1840, as plantações de batatas foram dizimadas por um fungo (míldio da batateira ou também designada como praga da batata).
Zoonose: doença comum a animais e seres humanos.
*Ainda hoje se ignora a origem da epidemia. Porém, é provável que as descrições correspondam a uma epidemia de gripe. A obra de Tucídides História da Guerra do Peloponeso está disponível em português, publicada pelas Edições Sílabo, em 2008.
Ex-diretor-geral da Saúde
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