Entre os Estados Unidos e a China, onde está a União Europeia?

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O século XXI divide-se por três centros de poder: Os Estados Unidos apostam na defesa pragmática dos seus interesses, ora consolidando alianças democráticas, ora privilegiando estratégias unilaterais quando necessário. A China afirma a sua presença global combinando investimento, diplomacia e inovação tecnológica através de iniciativas como a Belt and Road, mas indo além ao estabelecer padrões próprios em dados, energia e poder industrial.

E a União Europeia preserva a vocação do multilateralismo e dos valores da democracia, dos direitos humanos, do Estado de Direito e do desenvolvimento sustentável. Mas a UE enfrenta hoje um duplo desafio. Por um lado, as pressões externas, com Washington e Pequim a dialogarem quando os seus interesses convergem, mostram que o tempo das certezas multilaterais ficou para trás.

Por outro, as tensões internas entre Estados-membros revelam uma Europa menos coesa, onde as respostas à guerra na Ucrânia, à crise migratória e aos desafios tecnológicos expõem diferentes prioridades e estratégias. A Europa corre o risco de ser gradualmente ignorada, tornando-se secundária num tabuleiro dominado pela força, pela tecnologia e pela inovação.

A geopolítica dos interesses, dos chips, dos dados e dos recursos naturais sobre os valores deslocou o centro do poder e Bruxelas, que nunca ditou as regras mas soube adaptar-se a elas, vive hoje num ambiente em que o pragmatismo supera a norma e enfrenta o dilema de como continuar relevante quando o sistema multilateral se desfaz e a autoridade moral se fragmenta. A recente cimeira entre Donald Trump e Xi Jinping, marcada por um aparente degelo diplomático e pela promessa de gestão responsável da rivalidade, mostrou que as duas superpotências definem entre si os contornos do novo equilíbrio global, com a Europa a assistir de fora.

A guerra na Ucrânia que, ao ignorar o Direito Internacional e a diplomacia, coloca em causa as bases da construção europeia, revelou uma Europa capaz de se mobilizar, mas também de aplicar dois pesos e duas medidas conforme a proximidade dos conflitos e dos seus interesses. Essa ambivalência compromete a autoridade moral europeia, sobretudo junto do Sul Global, a que se soma o erro recorrente de tratar regiões como África, a América Latina ou o Indo-Pacífico como objetos de políticas de ajuda e não como parceiros com vozes e interesses próprios. Reequilibrar essa relação é essencial.

A cooperação não pode ser confundida com paternalismo e escutar implica aprofundar a parceria, criar fóruns reais de decisão conjunta e reconhecer a reciprocidade dos desafios partilhados. O Sul Global deixou de ser recetor passivo e é hoje parceiro indispensável, protagonista na disputa por matérias-primas, mercados, energia e poder diplomático. Reconfigurar esta relação exige mais do que proclamar valores: é necessário construir mecanismos de corresponsabilidade, definidos em conjunto e aplicados no terreno.

Reconhecer limitações é o primeiro passo para reconstruir credibilidade. A Europa já não dita agendas, mas pode moldar consensos. Já não lidera sozinha, mas pode ser ponte e mediadora. A sua maior força reside na capacidade de gerar confiança e previsibilidade, se tiver a coragem de inovar nas formas de cooperação e de incorporar a diversidade como valor estratégico e não como obstáculo político. Portugal, com tradição diplomática humanista e experiência na construção de pontes, tem aqui muito a oferecer, não por nostalgia mas enquanto exemplo de liderança que transforma o diálogo em ação e a diversidade em fundamento de novas parcerias.

Cabe à Europa, neste tempo de disputas, investir menos em discursos centrados na sua própria agenda e mais em propostas concretas, relembrando que só assim poderá recuperar centralidade num mundo em transformação e que precisa de vozes que defendam o multilateralismo

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