Marcelo está mais leve do que nunca. Como canta o hino de uma juventude partidária, o presidente está, agora, "completamente livre e completamente solto". Já não pode ser candidato outra vez, faltam quatro anos para o fim do mandato e, todos sabem, incluindo ele, que a contagem decrescente já começou. Não que antes de ser reeleito Marcelo não estivesse livre e solto. Mas tinha uma eleição para ganhar, queria transformar em votos a popularidade que tem, e o governo da República era, primeiro dependente de uma geringonça e, depois, minoritário. Com a maioria de Costa, Marcelo está, finalmente, liberto..Não era hábito na política portuguesa haver uma reentrée do Presidente. Mas Marcelo, numa entrevista com quatro horas que vai sendo partida às postas e divulgada aos pedaços, decidiu marcar, ele próprio, o fim da época estival e estender, por vários dias, o seu pensamento sobre a atualidade. Desta forma, o presidente está sempre lá, coincidindo com os calendários das festas e comícios partidários de regresso à política..Uma das frases mais espantosas do Presidente tem a ver com o facto de confessar que o primeiro-ministro Costa - que descreve como um mata-borrão, porque é rápido a absorver as ideias e a agir em conformidade - percebeu que havia "eleitorados diferentes" e, portanto, "podia cavalgar o centro, beneficiando da proximidade com o Presidente". É Marcelo presidente quem o diz. Costa encostou-se e Marcelo deixou que se encostasse. Durante quase seis anos, o ombro esquerdo de Marcelo esteve ali, pronto, amigo, consolador, um porto de abrigo para o governo. Marcelo, que foi sempre muito criticado pela sua família política, por estar demasiado colado a Costa, responde apenas e só agora, precisamente porque nada tem a perder. Diz o Presidente não ter percebido porque é que "os líderes da direita" não fizeram o mesmo, ou seja, porque não se encostaram no ombro direito, que esteve sempre livre. Na leitura do analista Marcelo, no colo do Presidente caberiam todos, mas houve quem não entendesse que o afago chegava para todos. Só agora, entende Marcelo, o novo líder do PSD percebeu que só terá vantagens se também se encostar..Marcelo sempre disse, desde o primeiro dia, que não era favorável a uma solução de bloco central, que deveria haver alternativas claras para que os portugueses pudessem escolher. Nos melhores sonhos do Presidente, ele deixaria Belém já com um governo do PSD. E não se trata de especulação ou análise. É o próprio Marcelo quem o diz, quando explica que há de vir "um novo ciclo" e que, enquanto Presidente, assistiu "ao fazer progressivo dessa alternativa", já que as legislativas que se segue serão já depois de deixar Belém..Costa pode, mas já não deve ser outra vez candidato a primeiro-ministro. A luta segue entre Montenegro e os delfins de Costa, que são já tantos e tão variados que não seria estranho se não fosse, afinal, nenhuma delas e deles o próximo secretário-geral do PS. Que fará Marcelo com a liberdade que a maioria absoluta lhe trouxe? Vai continuar a permitir que Costa se encoste? Vai abrir os braços a Montenegro? Vai ajudar a oposição à direita a ser alternativa? Vetará mais diplomas do governo do que até aqui, encontrando defeitos formais e constitucionais - muito mais do que políticos - para devolver leis ao Parlamento? Será mais exigente com a maioria, mais fiscalizador, mais árbitro? Costa, o mata-borrão, também sabe, que Marcelo sabe, que Costa sabe que Marcelo sabe o que vem a seguir. A rábula do Professor e do aluno, do Mestre e do discípulo, do respeito institucional e pessoal entre ambos, do bom ambiente que Marcelo cria a partir de Belém pode ter os dias contados. Que marca quer deixar Marcelo quando chegar o dia 8 de março de 2026? Mais do que o julgamento dos portugueses que tiram selfies com ele, a Marcelo interessa muito mais a opinião da bolha "político-mediática", lugar onde ambos sempre viveram. É o Presidente quem tem o tabuleiro de xadrez aberto. E com Marcelo livre, solto e irrequieto, os próximos quatro anos não serão, certamente, de enfado entre palácios..Jornalista