Em nome da democracia

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O caso da Roménia deve ser desconhecido da grande maioria dos portugueses, pois quer o jornalismo, quer o comentariado, tão vasto e especializado, têm sistematicamente ignorado este espantoso prodígio de manipulação do poder judicial: a anulação de uma Eleição Presidencial na primeira volta por alegada “interferência russa”. Não contentes com a invalidação da votação, os juízes do Tribunal Constitucional de Bucareste proibiram agora o candidato vencedor, Calin Goergescu, de voltar a concorrer.

E a democrática manipulação contra a “ameaça à democracia da extrema-direita” não parou aqui. Em Março, a Comissão Central Eleitoral proibiu a candidatura presidencial de Diana Sosoaca, deputada ao Parlamento Europeu e líder do partido SOS Roménia, por “declarações contrárias aos valores democráticos”.

Respondendo à proibição do Tribunal Constitucional, Georgescu escreveu no X: “Hoje os Senhores decidiram: não há igualdade, não há liberdade, não há fraternidade para os romenos. Longa vida a França e a Bruxelas, longa vida à sua colónia chamada Roménia.” E acrescentou em inglês: “Enquanto a América se torna outra vez grande, a Europa e a Roménia tornaram-se pequenas, corruptas e dominadas pela ditadura.”

Manifestações populares em frente à sede do Tribunal Constitucional, com bandeiras nacionais e gritos de “Ladrões!” não têm parado. Elon Musk criticou a decisão do Tribunal Constitucional romeno e JD Vance já tinha incluído a anulação da primeira volta das eleições romenas no rol das decisões anti-democráticas dos europeus. O American Conservative aconselhou a Administração Trump, como represália, a fechar a Base Aérea de Mihail Kogalniceanu, uma das maiores da NATO, actualmente com 4000 soldados e oficiais americanos.

Escusado será dizer que esta “interferência americana”, a par da alegada “interferência russa” em favor da “extrema-direita” são, para os democráticos manipuladores, a prova provada de que o seu “activismo” em prol da democracia é justo e necessário. É que ultimamente o povo, o inocente povo, cedendo às manobras populistas de uma qualquer internacional nacionalista, tende a não ser de fiar e tem de ser protegido de si próprio por uma elite responsável e com valores verdadeiramente democráticos.

Assim, com Georgescu e Sosoaca proibidos, George Simion, o líder da Aliança para a União dos Romenos, e Anamaria Gavrilă, a líder do Partido da Juventude, são os únicos candidatos da direita admitidos a concorrer à eleição de 4 de Maio.

Na primeira volta de Novembro passado - a que foi anulada pela decisão do Tribunal Constitucional, alegando uma intromissão russa através do TikTok - Georgescu ficara em primeiro lugar, com 23% dos votos, seguido por Elena Lasconi, do partido de centro União para a Salvação da Roménia, com 19,17% dos votos; depois ficara Marcel Ciolacu (actual primeiro-ministro), do Partido Social Democrata, com 19,14%. E depois Simion, com cerca de 14%.

Pelos resultados, o bloco “centro-esquerda” (38,31%) estava tecnicamente empatado com o bloco de direita. Mas tudo indica que, caso Simion não venha também a ser banido, o escândalo do congelamento dos candidatos da direita irá levar a uma maior votação a seu favor.

Segundo as sondagens, Georgescu teria 40% na repetição da Eleição Presidencial, marcada para 4 de Maio. Felizmente, o Tribunal Constitucional interveio a tempo de salvar a democracia.

Georgescu, talvez para ver o número de ilusionismo até ao fim, apelou para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, apelo que foi rejeitado por unanimidade. Era a democracia a funcionar.

Politólogo e escritor

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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