As eleições locais são sempre a mais pura expressão do voto, da participação dos cidadãos e do princípio decisivo da proximidade. Elaboram-se listas com gente que sente e vive a terra e que em grande parte dos casos é conhecida dos vizinhos. Ver uma campanha feita numa freguesia é uma lição para que não nos esqueçamos que, no centro da Polis, sempre esteve, no lugar mais subido da cidade, o lugar do encontro e da discussão, da partilha e do combate, da criação de pontes e do conhecimento: a Ágora. A democracia é proximidade, compromisso, respeito pelas opiniões do outro. Aliás, como o cooperativismo.Segui com interesse as eleições autárquicas, nomeadamente em Torres Vedras. A Caixa Agrícola manteve-se rigorosamente equidistante e, numa nota pessoal e intransmissível, confesso a minha amizade com os líderes das duas principais listas. O resultado foi relevante para os estudiosos do poder local, mas também para os comentadores. Não era para menos, pois foi a primeira vez que um movimento de cidadãos constituído pelo Sérgio Galvão, atraiu o PSD, CDS-PP e o Volt e conquistaram o Município de Torres Vedras. E foi a primeira vez que o PS quase contra todos a perdeu em quase meio século. Abre-se então um novo ciclo e isso é sempre bom, não existe democracia sem a possibilidade de o Poder mudar de mãos, devemos valorizar a maturidade dos torrienses.Uma vitória importante e clara de Sérgio Galvão. Posto isto, desejo a melhor sorte ao novo presidente, de certo modo um outsider que me fez lembrar, num certo sentido, Carlos Bernardes. Os dois, diferentes na personalidade, mas radicalmente independentes e com enorme vontade de deixar uma marca que perdure na cidade. O que se lança à terra, em geral, floresce e é a raiz da própria humanidade, é do húmus que nasce a nova vida, novas histórias, novas esperanças e oportunidades.Agradeço também à Laura Rodrigues, toda a honestidade, empenho e sacrifício pessoal com que se devotou à causa pública local. Sei, e o Sérgio também, o quanto ama Torres Vedras, o quanto desejou que as coisas tivessem corrido bem, o quanto se sacrificou. Nem sempre as derrotas significam que se tenha feito mal algo. Por vezes, perder significa apenas que as pessoas estão cansadas do mesmo e dos mesmos. Temos de ser humildes para o compreender. Não há democracia sem o princípio da humildade. E o país precisa tanto de um pouco de modéstia à esquerda e à direita. Podemos ser humildes e ambiciosos, não há contradição nos termos.Algumas notas finais. Em primeiro lugar, é inequívoco que os tempos mudaram, aqui, na Europa e no mundo. Cada eleição é uma prova disso e a história é mesmo assim, feita de ciclos e contraciclos, de revoluções e contrarevoluções. Destaco a vitória do PSD, a sua ascensão nas maiores cidades, nas mais urbanas e desiguais. E sociologicamente não me foram indiferentes as mudanças em Viseu, nunca um socialista lá ganhara. E em Beja, jamais um social-democrata lá sonhara ganhar. Quero igualmente relevar a força do futuro e da juventude. Bonito ver uma jovem de 27 anos conquistar uma câmara e logo a de Sobral de Monte Agraço, historicamente pertença do PCP. Raquel Lourenço corporiza a esperança de que há uma nova geração pronta a ir a jogo. E, por fim, e não menos importante, a constatação de que nunca houve tantas mulheres presidentes de câmara. São 51, quase mais vinte do que há quatro anos. É o bastante? Não, precisamos de mais. Cerca de 15 por cento, é de menos. Mas o caminho é este,é por aqui e os ventos não o podem impedir. Precisamos de mulheres nos lugares autárquicos como sucedeu com a Laura, não por ser mulher, mas por pensar diferente do género masculino.Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedrasmanuel.guerreiro@ccamtv.pt