Nas últimas semanas, a Europa tem assistido a uma vaga inquietante de incursões com drones não identificados, sobretudo sobre a Dinamarca. É a essência da guerra híbrida contemporânea: tecnologia barata, impacto psicológico desproporcionado e o teste constante aos nervos europeus sem confronto direto. Moscovo nega envolvimento, mas os padrões encaixam demasiado bem na lógica russa para serem fortuitos. Não se trata de explorar vulnerabilidades militares já mapeadas e avaliadas ao longo dos anos, mas de encenar musculatura. Putin provoca para mostrar força, endurece o tom para mascarar debilidades e tenta criar divisão e dúvida entre os aliados. O alvo dinamarquês é revelador: Copenhaga preside ao Conselho da União, é dos mais comprometidos com a indústria militar ucraniana, tem presença no Ártico através da Groenlândia e controla os corredores no Báltico. Tornou-se símbolo de resistência, mas também alvo lógico de intimidação. Frederiksen classificou os incidentes como “ameaça séria” e pediu reforço da NATO. Mas em vez de dispersar aliados, o efeito parece ser o contrário: cresce a coesão. Vários países avançam na ideia de um “muro de drones” e melhoram-se os procedimentos defensivos. O paradoxo é evidente: quanto mais drones sobrevoam céus europeus, maior o compromisso com Kiev e a coesão europeia. Para compreender este padrão basta regressar ao quadro estratégico russo. Desde a Guerra Fria, Moscovo investe em “medidas ativas” — propaganda, desinformação e foco na engenharia social. No pós-Guerra Fria, a visão multipolar de Primakov tentou propor alternativa à hegemonia ocidental. E, mais tarde, a chamada Doutrina Gerasimov adaptou o pensamento soviético às novas tecnologias, aprofundando a fusão entre meios militares e não militares e transformando em conceito estruturado o que hoje conhecemos como guerra híbrida — um conflito, de intensidade limite, disfarçado em tempo de paz. É exatamente esse modelo — onde incursões de drones convivem com ciberataques, sabotagem energética, manipulação informacional e operações psicológicas — que hoje se materializa. É um jogo de desgaste persistente e intencional. O objetivo não é vencer no terreno, mas corroer perceções, provocar tensões internas e desgastar a resiliência ocidental. Daí a centralidade da resposta: unidade, disciplina e frieza estratégica. Desgastar Putin, negar palco às provocações e reagir sem clamor, retirando à Rússia o oxigénio mediático que procura. O ruído destes drones não enfraquece a Europa. Pelo contrário: pode reforçar a coesão, as capacidades defensivas e expõe o paradoxo russo — quem precisa de mostrar força revela apenas fragilidade estrutural. Analista de Estratégia, Segurança e Defesa