Dois erros do passado que não perdoam

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Como previ na crónica de 14 de maio, o recuo na compra de dívida pública dos Estados-membros da UE no mercado secundário, por parte do BCE, causou a repetição do ocorrido há mais de uma dezena de anos, fragmentando a taxa de juro a pagar por cada país no recurso aos mercados financeiros. Os juros de Portugal, Espanha ou Itália afastam-se perigosamente dos valores de referência da dívida alemã. Para evitar o regresso da zona euro a um estado de turbulência caótica seria indispensável ter a coragem de corrigir os erros matriciais do euro, cometidos em Maastricht, há 30 anos. Isso implicaria: apoiar a união monetária numa união orçamental. Para esta última ser concretizada, são necessárias uma política fiscal concertada e uma coordenação económica europeia, permitindo combater os choques assimétricos, protegendo os países e regiões, conjuntural ou estruturalmente mais vulneráveis, dos ataques especulativos. Mas para que possam existir transferências financeiras por via do orçamento comum é necessária uma legitimidade política e constitucional, que continua à espera de ser criada.

Jean Monnet escreveu que o federalismo europeu não nasceria associado a um nome pessoal, mas à "necessidade" causada por um grande e urgente desafio. Não consigo imaginar uma ocasião mais urgente do que esta, quando se misturam ingredientes explosivos: uma pandemia ainda longe de vencida, uma guerra onde se enfrentam indiretamente quatro das maiores potências nucleares, uma já alta inflação, acrescentada pelas sanções à Rússia, que têm um efeito boomerang sobre o Ocidente, uma crise de refugiados iniciada pela guerra, mas que aumentará exponencialmente nos próximos meses, quando o impacto da escassez e carestia alimentar levar centenas de milhares de pessoas desesperadas a arriscar a vida na travessia do Mediterrâneo. Mas para perceber a perigosa necessidade de que falava Jean Monnet, seria indispensável saber ler os sinais da sua presença, coisa que manifestamente não parece ser uma competência das elites europeias.

Na verdade, o pilar europeu de política externa e segurança comum, não passa de uma miragem, sem estratégia nem meios ao seu serviço. Por isso, incapazes de saber o que querem, os europeus seguem o plano dos EUA de aproveitar esta guerra para fazer sangrar Moscovo, com os olhos postos na China. As vozes que no Ocidente exortam à paz imperfeita de um cessar-fogo têm sido desprezadas e até insultadas. Impera, por isso, uma aposta na intensificação do conflito, que além de aumentar a perda de vidas humanas e o grau de destruição na Ucrânia, contém um elevado risco de poder fazer escalar o conflito para o patamar nuclear tático, ou ainda pior.

A menoridade estratégica da UE não é uma fatalidade, mas o resultado de outro erro matricial da construção europeia. Há 70 anos, em 27 de maio de 1952, o núcleo inicial do que é hoje a UE, assinava um ambicioso tratado de Comunidade Europeia de Defesa (CED), que, além de FFAA próprias, incluía uma Comunidade Política de base constitucional, um Parlamento bicamaral, um orçamento e uma estrutura de comando comuns. A CED estava destinada a durar para além da extinção da OTAN. Depois de aprovado nos parlamentos da Alemanha, da Itália e do Benelux, o tratado foi derrotado em 1954 por uma coligação chauvinista de deputados comunistas e gaulistas em Paris. Cada vez mais o futuro da UE encalha no pesado preço a pagar pelas oportunidades que não deveriam ter sido perdidas.


Professor universitário

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