Discutir com Le Pen em bom francês não é para todos

Publicado a
Atualizado a

"Ici on n’accepte pas les idées racistes et les idées xénophobes. Mário Soares a tout a fait raison” (Aqui não aceitamos ideias racistas: Nisso, Mário Soares tem toda a razão).

“C’est un menteur!” (É um mentiroso”!)

“Non, ce n’est pas un menteur” (Não, não é um mentiroso.)

C’est un menteur et vous êtes un menteur!” (É um mentiroso e o senhor também.)

Vous accusez Mário Soares, le Président de la République, d’être un menteur?” (Acusa Mário Soares, o Presidente da República, de ser mentiroso?)

Esta troca de galhardetes entre Francisco Louçã e Jean-Marie Le Pen aconteceu em 1990, quando o dirigente do PSR confrontou o líder da Frente Nacional durante uma visita a Portugal para um encontro de eurodeputados da extrema-direita. O vídeo surgiu-me quando escrevia o obituário de Le Pen. E, como boa francófona, não pude deixar de admirar a descontração com que Louçã discute com o francês, respondendo taco-a-taco às diatribes.

Mas quando se olha para os políticos portugueses, percebe-se que os dotes para as línguas não são um exclusivo de Louçã. O próprio Soares, que esteve no centro da discussão, era um francófono exímio, aprimorado, decerto, durante o exílio em Paris, apesar de muitos brincarem com o seu sotaque.

E impressionou-me o vídeo do debate transmitido pela televisão francesa em 1976 com Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Freitas do Amaral e Vítor Alves, todos a falarem francês e que vi na exposição que a Embaixada de França em Lisboa organizou nos 50 anos do 25 de Abril. Bem mais recente é um outro vídeo, do presidente Marcelo Rebelo de Sousa a explicar a um jornalista francês a sua técnica para tirar selfies - “il faut avoir un long bras”, diz a certa altura, esticando o braço.

E se não terá sido o único fator determinante, a verdade é que a facilidade para as línguas terá ajudado vários portugueses a chegarem a cargos internacionais. Com destaque para Durão Barroso, antigo presidente da Comissão Europeia, e António Guterres, atual secretário-geral da ONU. E basta ver as gravações disponíveis na internet das entrevistas que deram a meios de comunicação franceses para sentir uma pontinha de orgulho por termos compatriotas capazes de dar troco aos jornalistas na língua deles.

Questão geracional, sem dúvida, o francês pode ter dado lugar cada vez mais ao inglês nos currículos escolares portugueses, mas nem um mais jovem Luís Montenegro deixou de falar durante uns minutos em francês numa visita ao presidente Emmanuel Macron em Paris. Já o seu antecessor na chefia do Governo, António Costa, agora presidente do Conselho Europeu, respondeu com à-vontade às perguntas em português e em francês num debate com Macron sobre a UE que moderei em 2018. Um à-vontade que o francês lhe confessou invejar, lamentando-se nos bastidores: “Na verdade sou o único que não percebe tudo aquilo que aqui vai ser dito.” Não é para todos.

Editora-executiva do Diário de Notícias

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt