Dependência asiática da Rússia, guerra e paz na Europa

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Na última década vimos assistindo a uma significativa alteração do posicionamento da Rússia. Uma parte desse reposicionamento advém das teses do “excecionalismo russo”, fortemente imbuídas da ideologia imperial da “Grande Rússia” teorizada por A. Dugin e executada por Putin.

Esse reposicionamento resulta também da forte reação da Europa, que ditou uma redução do comércio externo entre a Rússia e a Europa; redução, mas não corte, uma vez que ainda há países da UE que continuam a importar produtos de base russos (como petróleo e gás) e empresas de quase todos os países europeus exportam indiretamente para a Rússia, via Ásia Central. Mas a determinação das autoridades europeias e as sanções forçaram o Governo e as empresas russas a procurar outros parceiros e mercados de comércio internacional, em especial na Ásia, com destaque para a China e a Índia.

Atentos os números envolvidos, merece especial destaque a intensificação do comércio com a China, hoje de longe o principal parceiro comercial da Rússia.

A Rússia vende à China petróleo, gás natural, metais críticos, e compra de lá carros, maquinaria e componentes críticos para a sua indústria de Defesa (e.g., motores de drones e mísseis, semicondutores). A crescente interdependência entre os dois países facilita bons acordos comerciais para as empresas chinesas e está também a provocar alguma deslocalização para a China de partes cruciais das cadeias de valor de produtos estrategicamente relevantes, como é o caso das fundições da Norilsk Nickel.

Por outro lado, o isolamento progressivo relativamente aos mercados ocidentais está a tornar a Rússia e as suas empresas dependentes de empresas chinesas ou das autoridades chinesas.

Nos últimos meses, think tanks americanos dizem que a Rússia está a aumentar a capacidade militar da China, fornecendo a Pequim tecnologia aeroespacial avançada, bem como sistemas avançados de defesa aérea e tecnologia utilizada nos novos e revolucionários submarinos silenciosos da China. É certo que, no âmbito da Organização de Xangai e noutros acordos, Moscovo e Pequim já tinham uma boa cooperação nas áreas da Segurança e da Defesa. Porém, só nos últimos meses a Rússia disponibilizou tecnologia militar e aeroespacial avançada.

A “amizade sem limites” entre a China e a Rússia assenta no combate a uma ordem internacional dominada pelas principais potências ocidentais. Contudo, a via confrontacional com o Ocidente é perigosa e comporta custos que podem ser muito gravosos, sobretudo no plano das sanções financeiras. A China percebe isso, mas não quer uma Rússia demasiado fragilizada e tem vindo a beneficiar do fornecimento vantajoso de bens e tecnologia avançada.

Quanto mais tempo demorar a guerra na Ucrânia, mais a Rússia se vê forçada a ceder bens e tecnologia em condições desvantajosas. Não admira, por isso, que Putin venha reiterando que está disponível para um acordo de paz na Ucrânia. No entanto, no pano histórico de fundo criado, nem os EUA, nem a China têm interesse no fim rápido da guerra. Só a Europa tem nisso interesse. É importante que os líderes europeus atuem em conformidade. Com autonomia estratégica e sem subserviências a interesses de outros.


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