Da Guerra das Laranjas à Guerra das Rosas

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Em 1801, Espanha, sob os auspícios napoleónicos, invadiu Portugal, entregando o comando das forças invasoras a Manuel Godoy, valido da coroa e favorito da rainha consorte, Maria Luísa.

O plano da operação militar consistia em desmembrar e dividir o País, com Godoy a alimentar a ambição pessoal de criar a sul do Tejo um pequeno país para seu próprio uso pessoal.

Foi uma guerra curta e desastrosa para Portugal, que se viu privado de Olivença e do seu termo, até aos dias de hoje.

Conta-se, a propósito, que Godoy quando entrou em Portugal terá colhido um ramo de flores de laranjeira, que enviou à rainha como prova do seu afecto… e daí que este episódio triste da historiografia portuguesa tenha ficado conhecido como a Guerra das Laranjas.

Apesar do desaire militar e político, o País não se dividiu e manteve a sua soberania e independência.

Decorridos que foram pouco mais de dois séculos, não foi necessário um qualquer outro Godoy para tentar dividir, novamente, o País.

Na verdade, o que se presenciou na Assembleia da República, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Novembro de 1975, onde a acrimónia verificada entre os partidos políticos presentes, nalguns momentos, inclusive, a raiar o insulto, e culminando com a guerra dos cravos e das rosas na ornamentação do hemiciclo, demonstrou, cabalmente, que nem sempre a força das armas é necessária para dividir um País e as suas instituições.

Na mesma altura, no seminário sobre o “25 de Novembro – 50 anos depois”, que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, viu-se o intento desmedido de várias das entidades participantes em impor as suas narrativas sobre aquela data, chegando ao ponto de algumas, lamentavelmente, não se terem coibido de criticar, de forma injusta e enviesada, aqueles que, há data, não partilhando das suas convicções, assumiram posições contrárias às suas, e que no seu entendimento contrariaram, marcadamente, o espírito de Abril e as suas conquistas.

Não fará sentido que meio século depois do 25 de Abril e do 25 Novembro, continue a haver pessoas e entidades que se assumam como guardiões exclusivos daquelas datas e não admitam que as mesmas sejam pertença de todos os Portugueses, independentemente da forma como cada um possa interpretar os acontecimentos que lhes estiveram na génese.

Seguramente que sem o 25 de Abril, como data matriz da democracia portuguesa, não teria havido lugar ao 25 Novembro, o qual, como outros episódios ao longo do processo político que o País atravessou nos últimos 50 anos, não foi mais do que o resultado das profundas transformações e mudanças vivenciadas durante esse período que, de forma decisiva, ajudaram a forjar e consolidar a democracia em Portugal.

É por estas razões que a data do 25 Novembro, agora comemorada, deveria ter obrigado a uma interpretação rigorosa e esclarecida, não enviesada, nem ressabiada, sobre os acontecimentos que lhe estiveram na origem, facto que os Portugueses, deveras, apreciariam e que, muito provavelmente, dispensaria o Presidente da República do seu apelo à temperança…

Tenente General

Diário de Notícias
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