É o tema dos temas. O problema mais estrutural, o que mais inquieta jovens e menos jovens, o que mais pode influenciar a paz social, o crescimento económico, o combate ao preconceito e até o voto em projetos antidemocráticos. É também um tema de Regime, um direito constitucional consagrado e, acredito, uma preocupação do atual governo. Este é o meu contributo para que o tema possa ser discutido em bases um pouco diferentes, mais práticas e menos ideológicas ou, se preferir, teóricas.A crise da habitação já ajudou a fazer cair regimes, aqui e fora daqui. Não tenho absoluta certeza de que a Monarquia tivesse caído como um baralho de cartas se não existisse um gravíssimo problema de sobrelotação e falta de condições nas casas da maioria dos portugueses. Também não tenho a certeza, apesar da instabilidade política da 1.ª República, que o Estado Novo pudesse ter tido via aberta para conquistar as ruas se o problema das casas tivesse sido efetivamente resolvido. Curiosamente, Salazar colocou o assunto como prioridade. O nascimento do LNEC que depois daria origem ao LNETI e a procura de soluções através das maiores figuras do Instituto Superior Técnico, fundado no início da República, foram acompanhadas de investimentos que o regime procurava que não onerassem o Orçamento de Estado – através de investimentos das corporações mutuais como o Crédito Predial Português, o Montepio, a Mútua dos Pescadores e a Caixa de Previdência dos advogados. Salazar pagava-lhes juros e ninguém ficava prejudicado.Vamos lá a ver e sem mais contexto ou repetição de argumentos estafados e que conhecemos de cor. A crise da habitação só se começará a resolver se existir coragem para uma verdadeira reforma. Não da palavra que é sempre aplaudida em discursos, mas uma mudança efetiva e transversal.A crise da habitação não se resolve sem alterar os PDM e as limitações draconianas impostas pela Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP) através dos seus planos de ordenamento. Não podemos colocar em causa o ecossistema e não podemos deixar de defender o ambiente, mas é impossível qualquer reforma sem abrir a possibilidade de ter mais lugares para construir. Há sítios protegidos que não lembrariam ao diabo.A crise da habitação não se resolve sem o reforço da responsabilidade das autarquias. As verbas do OE devem ser reforçadas em troca do compromisso de cada município construir um número mínimo de casas. As estradas estão feitas, as casas não. As autarquias podem e devem vender terrenos a empresas de construção definindo as regras e tendo, como é lógico, controle sobre o preço final – limitando a especulação e a corrupção. Eis um tema fundamental para a nova Associação Nacional de Municípios.A crise da habitação não se resolve se o Estado não mexer no IVA. O pagamento do IVA deve prever diferenças entre os que constroem para vender ou os que a compram para uso próprio. Parece-me que as casas são uma primeira necessidade, a primeira das necessidades, reduzir para seis por cento não me pareceria excessivo. De onde vem o dinheiro, perguntarão alguns.De uma nova distribuição, mas de parcerias financeiras que podem ser virtuosas – onde as cooperativas, sempre próximas das populações, estarão certamente à cabeça. Ou alocando uma parte do dinheiro gerado pelas aplicações do Fundo de Estabilização Financeira para o investimento na habitação. Seria menos especulativo do que qualquer aplicação por mais conservadora que seja. O imobiliário tem taxas de rentabilidade entre 35 e 50 por cento e está mais valorizado do que nunca. Diria que era uma forma de aumentar as receitas disponíveis na Segurança Social e, ao mesmo tempo, ser parte da solução de um problema de regime.A crise de habitação não se resolve sem mexermos no preço dos materiais. Os materiais que usamos são demasiado caros, muito mais caros do que em Espanha. Temos a mania da pedra e há materiais menos caros e com muita qualidade. Precisamos urgentemente de dessacralizar esta nossa tendência para ser exagerados e faraónicos. E, por fim, a crise da habitação não se resolve sem uma política de apoio ao interior. Temos de criar as condições para que o interior cresça, para que o país cresça uniformemente. Com quem nasceu aqui e com quem deseja ser português. Conversa decisiva que guardarei para uma próxima semana.Enquanto presidente de uma grande caixa agrícola tenho responsabilidades e o desejo de ser parte da solução. No próximo ano será uma prioridade para a Caixa de Torres Vedras, faremos o que estiver ao nosso alcance para contaminar a doença com futuro e esperança. A Terra mexe-se, o Pêndulo de Foucalt lá está para o confirmar, mas temos de fazer a nossa parte. Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedrasmanuel.guerreiro@ccamtv.pt