A execução sumária com, pelo menos, cinco tiros à queima roupa, em plena via pública na Póvoa de Varzim, de um fugitivo narcotraficante brasileiro, alegado membro de um violento grupo criminoso daquele país e procurado por homicídio pelas respetivas autoridades, pode suscitar um conjunto de questões que, a bem da tranquilidade pública e do expectável aproveitamento desenfreado por parte de alguns setores, deviam ser esclarecidas.De acordo com a informação que o DN conseguiu recolher, Rafael Lourenço, 35 anos, não tinha autorização de residência, nem havia registo de entrada no país, o que leva as autoridades a suspeitarem de que pode ter chegado por via terrestre de Espanha. Apesar de ter um mandado de detenção, este não tinha sido inserido pelo Brasil no Sistema de Alerta da Interpol.Não se sabe ainda a nacionalidade dos homicidas, mas sendo a vítima um estrangeiro criminoso, será suficiente para acender todas as campainhas xenófobas. Até porque, no dia a seguir, um outro homem da mesma nacionalidade foi baleado no Porto, na sequência de desacatos, e há alguns dias, um guineense foi decapitado por um nigeriano que estudava em Portugal.Ora desde que o diretor da Polícia Judiciária (PJ) declarou, primeiro na conferência dos 160 anos deste jornal, em janeiro, depois no Parlamento, que não havia uma prevalência de estrangeiros nas suas estatísticas de criminalidade violenta, apesar de o aumento do número de imigrantes em Portugal (Luís Neves frisou bem que “um imigrante é estrangeiro, mas um estrangeiro não é necessariamente um imigrante”) nada mais sabemos sobre, afinal, qual o nível quantitativo e qualitativo de envolvimento de cidadãos não-nacionais em atos criminosos no nosso país.Em março, o Parlamento aprovou, por proposta da Iniciativa Liberal, a divulgação de dados objetivos sobre a participação de cidadãos estrangeiros na criminalidade violenta. Sendo possível fazer a destrinça entre os que são imigrantes, com residência ou com pedido em processamento, estes dados permitem à sociedade conhecer a dimensão real desta participação, seja ela marginal ou significativa. Mais importante, permite definir políticas públicas para combater eventuais fenómenos de insegurança.A ausência destes números prejudica o debate público, alimenta especulação e abre espaço a interpretações políticas ou mediáticas sem base factual. O Parlamento deliberou, e o Governo tem a obrigação de garantir que as forças de segurança cumprem essa determinação. Não se trata de uma questão ideológica, mas de transparência e de prestação de contas. Aliás Luís Neves disse também outra coisa relevante no Parlamento: deixou a garantia de que tinha as nacionalidades de todos os seus detidos e que só não os divulgava porque não tinha autorização superior.É verdade que o compromisso é de que sejam publicados no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), mas este é apenas publicado em abril do ano seguinte. Há que ter noção de que o alarme público causado e todas as narrativas subsequentes já não aguentam esta demora e exigem reações e respostas sólidas céleres, que travem à nascença a desinformação. Aliás, o processo do RASI é todo um tratado de desfasamento com uma realidade cada vez mais veloz. Já era tempo de rever metodologias bolorentas e pensar em disponibilizar dados, pelo menos, trimestralmente, mesmo sendo provisórios.Quando uma pessoa procurada por homicídio e com histórico de narcotráfico consegue viver em Portugal e acaba assassinada no espaço público, as autoridades devem explicar: como entrou, como permaneceu no país, que informação existia sobre a sua localização e que cooperação internacional estava em curso. Estas respostas não podem ser remetidas para “segredo de justiça” indefinido.O Estado deve cuidar também de colocar em perspetiva esta criminalidade, recordando que a violência extrema não é exclusiva dos estrangeiros. Quem esquece casos horrendos como a morte cruel, por familiares, das crianças Joana Cipriano e Valentina, o massacre de Amarante, o homicídio, por Pedro Dias, de dois militares da GNR, o Rei Ghob, o “mata-sete” da Praia do Osso da Baleia, Matinha Grande. A perceção de segurança da população depende da confiança nas instituições. Essa confiança constrói-se com dados claros, comunicação regular e capacidade de prevenção. O homicídio na Póvoa de Varzim é um alerta objetivo para o reforço da cooperação internacional e monitorização de indivíduos de alto risco. No caso dos brasileiros, que constitui a maior comunidade imigrante, estes esclarecimentos são essenciais para a própria integração. Bem como a garantia de que as autoridades do Brasil e de Portugal tudo estão a fazer para dificultar a entrada desses criminosos no nosso país. Nunca é demais recordar que, nos últimos tempos, a PJ tem detido algumas dezenas de fugitivos brasileiros, mas ainda assim continua sem ser resolvido um problema que o DN já denunciou: não há uma fiabilidade absoluta nos registos criminais da Polícia Federal Brasileira que são apresentados pelos candidatos a residentes, com casos de cadastrados a apresentarem na fronteira a folha limpa. Uma solução está identificada, mas, até agora, foi ignorada.Diretora Adjunta do Diário de Notícias