Contos de Natal

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A Christmas Carol de Charles Dickens é talvez o conto de Natal por excelência. É uma história mil vezes contada esta que o autor de David Copperfield escreveu e publicou em 1843.

Na edição original, de Chapman and Hall, vem o título completo: A Christmas Carol: In prose – Being a Ghost Story of Christmas. Uma história de fantasmas, portanto.

Dickens percebeu melhor que muitos políticos a sociedade vitoriana, e a sua obra é quase que um prefácio às laicas terapias sociais extremas de Marx e Engels. Em A Christmas Carol, Dickens usa os três espíritos de Natal, três fantasmas que convergem sobre o velho avarento Ebenezer Scrooge, que o atormentam, mas que, no fim, o redimem.

O espírito dos Natais passados traz à memória de Scrooge um passado em que, ainda não envenenado pela avareza, foi feliz; o dos Natais presentes, mostra o mal que faz aos próximos, à família, aos empregados; o dos Natais futuros, revela-lhe a solidão, o abandono, a morte a que esse seu caminho o conduzirá.

Assustado com a visão do que o espera, Scrooge arrepende-se e vai transformar-se. O maravilhoso e discreto toque sobrenatural dado pelos fantasmas (que o desfecho feliz transforma em espíritos benfazejos) fizeram o sucesso e a imortalidade do conto de Dickens.

Dickens foi também um dos primeiros fenómenos de marketing, com tournées pela Europa e pelos Estados Unidos – onde, de resto, inspirou um rico industrial de Boston a fazer do dia de Natal feriado para os seus operários e a proceder à franca distribuição de perus. Este lado menos verde do milagre de sensibilização social operado pelo conto de Dickens levou Thackeray a escrever que, se o Carol tinha contribuído para que se “acendessem centenas de bondosos fogos natalícios” e para que uma onda de boa vontade inundasse a quadra, tinha também contribuído para a instituição do “terrível massacre dos perus”.

E a moda dos “contos de Natal” pegou. Dos portugueses dessa segunda metade do século XIX há o Natal Minhoto de Ramalho Ortigão, um Natal de quando “o objecto do culto, da admiração, do enlevo dos pequenos era o velho presépio, tão ingénuo, tão cheio de coisas risonhas, pitorescas, festivas, inesperadas”. E o Suave Milagre, de Eça de Queirós, fascinante para o miúdo que fui. A história, de que nunca me esqueço, começava assim: “Ora entre Enganim e Cesareia, num casebre desgarrado, sumido na prega dum cerro vivia a esse tempo uma viúva…”

E a viúva, arquétipo da miséria mais miserável que a terra de Israel vira, tinha um filho, também ele miserável, aleijado, faminto, que queria ver Jesus, esse Jesus que o rico Obed e o poderoso Sétimo já tinham procurado em vão com os seus criados e soldados. A mãe a dizer-lhe da impossibilidade de encontrar “o doce rabi” e o menino a insistir sempre: “Mãe, eu queria ver Jesus…”

E depois é o desenlace, o momento único, inesperado e sagrado em que Ele abre a porta, sorri e diz ao menino: “Aqui estou.”

Mas o meu conto favorito de Natal é de um americano, William Sydney Porter (1862-1910), que assinava O. Henry. No conto The Gift of the Magi, Della e Jim amam-se e querem dar-se presentes de Natal, mas são pobres. Della tem uma bela cabeleira, Jim tem um relógio de ouro. Della vende o cabelo para comprar uma corrente de platina para o relógio de Jim; Jim vende o relógio para comprar pentes dignos do cabelo de Della. No fim, os pentes, sem o cabelo, são inúteis, e a corrente de nada serve sem o relógio; mas, tal como os presentes dos Magos, são prova e sinal do amor que se esquece de si e tudo transcende, da dádiva total que nasce inesperadamente na pobreza.

Um Santo Natal.

Politólogo e escritor

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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