Como celebrar a eleição de António Costa

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Confirmou-se, na passada quinta-feira, o que seria impensável há poucos meses: António Costa eleito presidente do Conselho Europeu. Como escrevi, neste jornal, uma semana antes dessa eleição, creio existirem, ainda, uns afazeres a caminho de Bruxelas. Não obstante, e apesar de não querer remexer muito neste assunto (não vão outros levar a peito), nota-se o – extraordinário – feito de Portugal, que se torna, assim, o único país a ter alcançado a liderança do Conselho Europeu (António Costa), da Comissão Europeia (Durão Barroso) e da Organização das Nações Unidas (Freitas do Amaral como presidente da Assembleia Geral e, posteriormente, António Guterres como Secretário-Geral).

Naturalmente, as circunstâncias são um conjunto de variáveis fundamentais quando analisamos o percurso destes portugueses até estes cargos de topo do panorama internacional. Ainda assim, a conjuntura não explicará tudo. Perdoar-me-ão a pouca modéstia, mas há, pelo menos, duas variáveis incontornáveis – e merecedoras de relevo.

A primeira é a aparente aptidão natural dos portugueses em criar pontes. Atenção, não procuro, com isto, revisitar a tese desenvolvida pelo sociólogo brasileiro Gilberto Freyre sobre o lusotropicalismo – um suposto conjunto de fenómenos e características (capacidade de aclimatização, propensão para a miscigenação, entre outras) que tornaram distinta a experiência colonial portuguesa das restantes. Mais, as perceções sobre o povo português variam consoante as geografias. Nórdicos dirão que somos um povo caloroso, enquanto sul americanos poderão dizer que somos frios e fechados. Contudo, para a maioria (mesmo na internet), os portugueses são “acolhedores”, “descontraídos” e “amigáveis” – tudo características preciosas em contextos multilaterais.

A segunda é a nossa diplomacia. De facto, se Portugal tem um protagonismo na cena internacional superior à sua relevância efetiva, deve-o muito à sua máquina diplomática, mesmo com as paupérrimas condições que lhe são disponibilizadas. Com isto, não queria tornar-me repetitivo – já escrevi sobre o romantismo da carreira diplomática no passado. Contudo, choca-me profundamente que quem tanto trabalha para a concretização destes feitos não veja o seu salário atualizado desde 1998.

Devo dizer que, à exceção de um par de amigos diplomatas que me oferecem uns copos menos vezes do que as que deveriam – e vice-versa –, não tenho qualquer interesse particular nesta matéria. Todavia, é até paradoxal estarmos a celebrar entusiasticamente esta eleição de António Costa como mais uma vitória da diplomacia portuguesa e, enquanto se reveem os rendimentos de cerca de 150 mil professores e 40 mil agentes de segurança (PSP e GNR), negligenciam-se os de nem 550 diplomatas.

As carreiras da função pública carecem todas de revisões das condições de trabalho. Repito: todas. Aliás, só assim o Estado conseguirá atrair a tão aclamada geração mais qualificada de sempre. Porém, a carreira diplomática carece de atualizações das condições remuneratórias como nenhuma outra. Aliás, não só esta carreira, como toda a pasta dos Negócios Estrangeiros (só a Coesão Territorial tem um orçamento menor). Discute-se imigração e a incapacidade dos consulados, mas já se viram fazer omeletes sem ovos?

Numa carreira que se diz democratizada, os diplomatas escolhem cada vez mais os postos não pela aptidão, mas pelas condições de vida inerentes. Numa carreira que se diz democratizada, (quase) não entram mulheres – apesar de se candidatarem tantas quanto homens. Dito isto, não é preciso encomendar uma panóplia de estudos infrutíferos. O denominador comum é evidente: condições de trabalho do século passado – literalmente.

Para fazer face a este flagelo, já que nem o argumento da conjuntura internacional adversa serve, olhemos para a questão de outra perspetiva (provavelmente, não, mas pode ser que resulte). E se celebrássemos a diplomacia portuguesa, recompensando-a?

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