Colisão frontal: O dia em que o carro verde de Bruxelas se estampou na realidade

Da corrida para o abismo industrial da Volkswagen à herança pesadíssima deixada por Carlos Tavares, a Europa recua perante um pesadelo que ela própria cavou com a cegueira ideológica.
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A história recente da indústria automóvel europeia não é apenas um caso de erro estratégico: é um manifesto sobre como a arrogância política pode destruir décadas de liderança tecnológica. O recente e humilhante recuo da União Europeia na proibição dos motores a combustão para 2035 não é uma "revisão" coisa nenhuma – é uma capitulação. É o reconhecimento (tardio) de que o mercado não é decretável por burocratas, estejam em Bruxelas ou noutro lado qualquer, mas conquista-se por quem compra e, neste caso, conduz.

As metas impostas eram, na sua génese, um exercício de ficção. Tentou-se forçar uma transição 100% elétrica em menos de uma década, ignorando o fosso abissal tecnológico, de preços, uma rede de carregamento que parou no tempo e a entrega voluntária das chaves do nosso mercado à China – que hoje domina a cadeia de valor das baterias. O resultado deste "salto no escuro" sem rede? Um terramoto social que está a dizimar a classe média industrial europeia.

Vejamos o caso da Volkswagen. O que antes era o orgulho inabalável da engenharia alemã vive um annus horribilis de rendição. Pela primeira vez em quase um século, Wolfsburg (a "cidade-fábrica" alemã que serve de sede mundial da Volkswagen) admite fechar fábricas no seu país. Os números são uma bofetada: 35.000 famílias para a rua até 2030. Quando a gigante alemã decide sacrificar o seu ADN e unidades históricas como Dresden, o diagnóstico é de falência múltipla de um sistema que tentou vender o que as pessoas não querem ou, pior, o que elas não podem pagar.

Mais escandalosa ainda é a herança deixada por Carlos Tavares na Stellantis. O gestor português, outrora incensado como o "mago das margens", provou ser, afinal, um ilusionista de curto prazo. Focado em cortes brutais para apresentar lucros, Tavares parece ter-se esquecido de investir no produto e de ouvir o mercado, em especial o americano. Enquanto as marcas rivais mantinham o pragmatismo, a Stellantis mergulhou numa eletrificação que poucos quiseram. O desfecho é de uma ironia cruel: Tavares saiu de cena com um envelope no bolso que terá chegado aos 60 milhões de euros –um prémio pelo fracasso – deixando para trás plataformas que são verdadeiros Frankensteins. Veja-se o novo Fiat 500: concebido como um manifesto elétrico, teve de ser operado de urgência para receber um motor a combustão porque os clientes simplesmente se recusaram a comprar a versão a pilhas. Resultado, é o híbrido mais lento (em aceleração) do mercado! Mas pode ser que venda alguma coisa… mais do que a versão herdada do gestor português.

Perante esta terra queimada, os e-fuels (combustíveis sintéticos) já lá estavam, como opção de transição, mas os políticos, não quiseram saber, com os ouvidos carregados dos lóbis do politicamente correto. Só surgem agora, como a vingança do bom senso. A neutralidade tecnológica tem de ser o novo norte – ou vão mesmo dezenas de milhões para o desemprego. Não há qualquer lógica ambiental ou económica em condenar ao abate um diesel com 7 ou 8 anos, perfeitamente funcional, em nome de uma pureza elétrica que não existe. Se podemos reciclar o CO2 da atmosfera para alimentar os motores que já temos, por que haveríamos de obrigar o cidadão comum a endividar-se por um veículo elétrico que desvaloriza mais depressa do que carrega?

O recuo da UE para a meta de 90% em 2035 é o fim da fantasia. É o regresso ao mundo real, onde a liberdade de movimentos não pode ser um luxo e onde a indústria não pode ser sacrificada no altar de uma prepotência verde que, ironicamente, estava a tornar a Europa mais dependente do carvão chinês. O motor a combustão não morreu – ele foi, isso sim, reabilitado pela realidade.

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