Temos um partido que nos convenceu a todos deque os problemas do país são, mesmo, os imigrantes. Convém-lhe muito manter esta narrativa, por dois motivos. Primeiro, porque foi esse o discurso que o criou e catapultou. Se o problema se resolve, o partido extingue-se. Assim, é preciso continuar a alimentar a máquina. Já se acabou com a manifestação de interesse? Há que inventar novos problemas. Agora é o reagrupamento familiar, vem triplicar o número de imigrantes. E a CPLP. Resolvida a imigração, ataque-se a nacionalidade. Não chega aumentar prazos de naturalização, há que propor algo mais radical da autoria do partido: só quem tem dinheiro é que pode ter a nacionalidade. Seguem-se cartazes a inflamar o povo, com ditos brejeiros. Quem se ofende, paciência, não existe má publicidade. E, já agora, avance-se com um projeto de alteração da Lei do Asilo. Provavelmente ela viola o Direito da União Europeia, e é uma matéria em que Portugal tem zero autonomia, mas o que interessa é manter esta infindável conversa. O Tribunal Constitucional pode não deixar passar esta solução, mas fica ele com o odioso.Em segundo lugar, esta é uma fórmula muito usada e repetida por líderes que querem ser carismáticos e salvadores da Pátria: arranjar um inimigo comum, e unir o povo na luta contra o mesmo. Ninguém se lembrará dos preços das casas, da falta de médicos, dos atrasos na Justiça, enquanto nos entretivermos com os imigrantes e acicatarmos o ódio por eles. Portanto, é preciso ir criando a ilusão de que estes “inimigos” vêm abusar do direito de asilo, de que há muitas mulheres de burka, de que os criminosos e indigentes querem a nacionalidade portuguesa. Se isto se resolver, o Partido vai falar de quê, se essa sempre foi a sua imagem identitária? Pode cair na insignificância, vazio de propósito.Infelizmente, porém, temos um Governo que caiu na esparrela de andar a toque de caixa desta agenda. Os problemas da imigração eram dois. Um está resolvido, o outro sim, tem mesmo de se resolver e não é com mais leis. Acabou-se com a manifestação de interesse, agora tem de tratar-se das pendências e da capacidade de resposta da AIMA. A Imigração está mais que regulada na lei, o que é preciso mesmo é pôr tudo a funcionar. Mas não: eis que o Governo anuncia que também quer continuar a legislar sobre a matéria. Sai uma proposta de lei do retorno lá para o Natal. Parecem duas equipas a competir por um troféu qualquer em iniciativas legislativas sobre isto – que, note-se, depois não funcionam enquanto não forem aprovados mais diplomas que as regulem…Ora, enquanto andamos entretidos com este filme que teima em ser interminável, não entram no Parlamento projetos e propostas de lei que interessam verdadeiramente. Há Ministérios que não conseguem agenda na AR para avançar com medidas importantes. Isto porque o Chega precisa de palco, e agora lembrou-se de parar o país para discutir a burka. Já chega, pois, de legislar mais sobre imigração, nacionalidade e asilo, a gosto e capricho dos Partidos maioritários. É tempo de seguir em frente.