Vivemos num tempo curioso: nunca tivemos tanto e, ainda assim, raramente celebramos o que temos. Pelo contrário, habituámo-nos a um discurso permanente de queixa, a uma espécie de vórtice negativo onde tudo é insuficiente, tudo falha, tudo decepciona. Diminuímos conquistas, relativizamos direitos, desvalorizamos o que foi ganho com esforço colectivo. A insatisfação tornou-se um hábito, quase uma identidade e, ao contrário de outros estados de alma, não parece ter cura, porque se alimenta de si própria.Queixar-se passou a ser um gesto automático, socialmente aceite, até incentivado. É mais fácil denunciar do que reconhecer, mais cómodo destruir do que cuidar, mais sofisticado parecer desencantado do que assumir alegria. Mas este estado permanente de mal-estar tem custos: corrói relações, normaliza ambientes de trabalho indignos, legitima pressões que ultrapassam a decência e cria uma toxicidade quotidiana que se infiltra em tudo.Talvez esteja na altura de mudarmos o foco. Não por ingenuidade, não por negação da realidade, mas por lucidez. Celebrar o que temos não é desistir de exigir mais; é reconhecer o caminho feito para poder avançar com mais força. Celebrar a vida, o trabalho digno, os afectos, o espaço comum, é um acto de responsabilidade cívica.Precisamos de aprender a festejar. Festejar o que nos rodeia, o que construímos juntos, o simples facto de estarmos vivos e em relação. Precisamos de recusar a ideia de que a dureza permanente é sinal de inteligência ou de rigor. Não é. Muitas vezes é apenas exaustão mal resolvida.Há um estado de espírito, que associamos, talvez injustamente, a um certo espírito natalício, que não tem nada de ingénuo: a consciência de que partilhar é essencial, de que estar juntos importa, de que a vida não se reduz a produtividade, competição ou ressentimento. Esse optimismo não é decorativo. É político. Porque escolhe o cuidado em vez do cinismo, a construção em vez da demolição, a dignidade em vez da pressão constante.Deixemo-nos de queixas. Não porque tudo esteja bem, mas porque há muito que vale a pena celebrar e só quem reconhece o que tem está verdadeiramente em condições de transformar o que falta. Jornalista e escritora