O governo, através do Ministério do Trabalho, anunciou ao país a sua decisão de abandonar qualquer ligação à CASES (Cooperativa António Sérgio para a Economia Social). O Estado deixará assim de ser o agente institucional (o coordenador público) do instrumento de supervisão das partes interessadas da Economia Social transferindo as suas competências especificas para a Direção-Geral da Segurança Social.Têm sido escritos muitos textos e foram recolhidas assinaturas como é habitual quando cedemos à indignação. No entanto, a indignação, como alguém já o afirmou, é um espasmo de inteligência. Quando deixamos as vísceras sobreporem-se à razão, quando os gritos se tornam mais fortes do que a argumentação, raramente se conquistam batalhas e raramente se ganham guerras.Caro Luís Montenegro, com esta decisão, o senhor dá um péssimo sinal.Assumo que talvez não saiba da real importância, também simbólica, da CASES. Não me custa reconhecer que a Cooperativa António Sérgio se tem esforçado para ser acintosamente inexistente. O seu presidente, há anos em gestão corrente, nunca marcou qualquer posição relevante direta ou indireta acerca do relevo e da influência da Economia Social. Eu próprio, e muitos agentes cooperativos, mutualistas ou responsáveis por fundações e misericórdias, se queixam do mesmo. A liderança da CASES é um facto esforçou-se para ser considerada dispensável.Respeito a vontade de reforma e economia de meios e poupança por parte do executivo, mas a reforma faz-se prescindindo de um instrumento de regulação da Economia Social? Estamos a falar de um setor com mais de 300 mil trabalhadores e de um valor económico que supera os cinco por cento do PIB. Mas, incomparavelmente mais importante do que qualquer quantificação, é a relevância em áreas decisivas para o Estado – a área da saúde, a área do apoio social, da agricultura, da habitação, a área financeira através das mutualistas e das cooperativas.O motivo não é financeiro. Um agente regulador tem capacidade de criar receitas próprias e de valor para as suas partes interessadas. Queira ouvir os agentes e mude a liderança, ajuste os objetivos e monitorize a sua evolução.Nestes tempos tão complexos as reformas fazem-se abrindo-se horizontes suportados em instrumentos de confiança. Aqui, anuncia-se o fim de um deles sem se conhecerem os seus fins. O governo não pode abdicar do seu papel de regulador, desde logo da Economia Social – nem que seja pela perda de oportunidade de ser mais efetivo em setores fundamentais para a governação. Não é apenas a saúde, na agricultura ou o apoio social, é também a influência no crédito e na habitação onde o cooperativismo e o mutualismo podem, como escrevi num artigo recente, ter um papel decisivo como sucede por exemplo em França, na Alemanha, CanadáCaro primeiro-ministro, a Economia Social é inclusiva e redistribuidora de riqueza. Importa não desbaratar alianças que lhe podem ser importantes. O anúncio do fim de uma relação com a CASES oferece um péssimo sinal. Para nós, que acreditamos na bondade e na importância do papel que desempenhamos, mas também para o país que perde um instrumento decisivo… até pela política de maior restrição da emigração e da dificuldade de gerir as despesas, sempre incontroláveis, do SNS.Além do mais, permita-me que lhe diga que não é uma notícia que se dê no Natal.Não é justa, não é de Bem e não é inteligente. Sou social-democrata, acredito que a redistribuição do dinheiro na economia se faz a partir do capitalismo, mas de um capitalismo humano – acredito que pensamos o mesmo. E sabe a razão da minha adesão às palavras de Francisco Sá Carneiro? Precisamente a ligação do fundador do PPD à figura de António Sérgio que, como sabe tão bem quanto eu, foi ideologicamente fundador da social democracia portuguesa. A Economia Social faz falta tem ampla consagração constitucional, representa milhares de projetos e tem uma influência que tendencialmente crescerá. É uma Economia que não onera o OE, pelo contrário alivia-o. Não depende dos bens contributivos, mas apenas dos transacionáveis. Não é tarde para que possamos apresentar-lhe um modelo com garantias mútuas. Somos mais fortes se não decidirmos ser fracos apenas por interesses conjunturais ou por alguma coisa não ter funcionado no processo. Acredito que há caminho. E que há caminhantes pelo bem, aqui e aí. E, aproveito para desejar ao governo de Portugal, e aos portugueses, um 2026 com solidariedade e valor. Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedrasmanuel.guerreiro@ccamtv.pt