Encontra-se em discussão pública uma proposta de calendário escolar para o quadriénio de 2024-25 a 2027-28. Coisa desnecessariamente ambiciosa, a dar a entender que é para uma legislatura, se pensarmos em tudo o que pode acontecer de inesperado em quatro anos. Nem precisamos recuar muito para perceber isso. O documento, em si, não tem grandes novidades, retomando outros anteriores, e até é bastante esquelético, porque se limita a marcar datas de início e fim de períodos, pausas lectivas e pouco mais. Por exemplo, não refere quais as datas previstas para a realização de provas de aferição e provas finais do Ensino Básico ou mesmo dos exames do Ensino Secundário, pelo que nem se percebe bem o que está verdadeiramente em discussão..Ora, seria importante que, por uma vez, fossemos além da rotina e se pensasse que o trabalho escolar não se deve debater apenas em torno da opção entre períodos mais ou menos trimestrais ou semestres inovadores. Há que ter em conta tudo o que se vai conhecendo sobre os modelos e ritmos de aprendizagem e trabalho dos alunos, que não se compadecem com horários religiosos, determinismos ideológicos ou conveniências dos adultos. Pelo que tanto o horário semanal como o calendário anual das actividades lectivas poderiam incorporar alguns dos contributos mais recentes das Ciências do Comportamento e Cognição ou mesmo das Neurociências..Quando assisto a decisões tomadas na base do “parece-me que” ou, muito pior, alegando o “interesse dos alunos” tendo a questionar qual a base empírica ou científica dessas decisões. Seja quando se decide condensar o dia de trabalho dos alunos, sem pausas para “respirar”, seja quando se organiza um ano lectivo de um modo que não tem qualquer suporte no que a investigação nos diz sobre a forma como as aprendizagens se processam, de acordo com cada faixa etária, e como é possível atrair a “atenção” dos alunos em tempos digitais..Porque, ao contrário do que por vezes se afirma sem qualquer sustentação, os suportes digitais não aumentaram a capacidade de aprendizagem ou concentração num determinado conteúdo ou actividade..Num episódio do podcast Speaking of Psychology, da American Psychological Association, Gloria Mark, especialista no impacto dos meios digitais na vida quotidiana e professora da Universidade da Califórnia, deu a conhecer um estudo sobre a capacidade de concentração/atenção, que decorreu durante cerca de duas décadas e documentou como essa capacidade se foi reduzindo, em especial quando está em causa o uso de ecrãs. Em 2004 era, em média, de dois minutos e meio, mas em 2012 era já apenas de 75 segundos e nos últimos anos desceu para 47 segundos..Num outro artigo (Jennifer Oaten, Combating the Attention Span Crisis in Our Students , online desde 26 de Abril de 2024) é apresentado um conjunto de considerações interessantes para quem planifica um ano escolar ou um horário semanal: “Em primeiro lugar, a incapacidade de se concentrarem durante períodos prolongados torna incrivelmente difícil para os alunos envolverem-se profundamente com o conteúdo académico. Quer seja acompanhando uma exposição, fazendo leituras complexas ou trabalhando em problemas desafiantes, a constante mudança e fragmentação mental corrói a capacidade de aprendizagem profunda e significativa. Os estudos mostram que os alunos com períodos de atenção mais curtos tendem a ter pior desempenho nos testes, dificuldade em reter informações a longo prazo e mais dificuldade em ligar ideias díspares numa compreensão coerente. Isso tem um impacto negativo não apenas nas suas notas, mas também na sua real compreensão do assunto estudado.”.Uma das recomendações perante este cenário é a de permitir a existência de pausas ou brain brakes, pois assim é possível recuperar energia, capacidade de trabalho e ser mais produtivo. Porque reduz a fadiga e aumenta o bem-estar. No fundo, parar para conseguir fazer melhor. Qualidade em vez de quantidade. Infelizmente, nada disto é tido em conta quando se definem calendários ou horários escolares com outro tipo de prioridades. .Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.