Foi no Texas, há cerca de um ano, que Jair Bolsonaro fez a primeira declaração pública sobre a pandemia durante uma viagem oficial em que 25 elementos da comitiva se contaminaram com o coronavírus.."Está sobredimensionado o poder destruidor desse vírus. Talvez esteja sendo potencializado até por questões económicas", afirmou, rodeado de gente sem máscaras na cara mas com chapéus de cowboy na cabeça..O presidente vivia então, talvez por se ter encontrado com Donald Trump, o que poderemos chamar de "período conspirativo" na relação com a covid-19..Já de volta ao Brasil, entrou no "período negacionista", que duraria até meados de abril, quando tratou de ignorar as recomendações dos seus sensatos ministros da Saúde, eliminados um a um até à nomeação do general paraquedista Eduardo Pazuello para a pasta..Ouvimos neste período o célebre "esse vírus é uma gripezinha" e a previsão de que "vai matar menos do que a H1N1", doença que tirou a vida a 796 brasileiros..Quando estavam contabilizados 1223 mortos, Bolsonaro anunciou ao mundo que "estava começando a ir embora essa questão do vírus"..Com os factos em sentido contrário a acumularem-se, assim como se acumulavam os cadáveres nas valas comuns de Manaus, o presidente brasileiro irritou-se e entrou, no fim de abril, no "período desumano"..Confrontado com os então 2584 compatriotas mortos, reagiu com o "eu não sou coveiro", antecedendo o "e daí?", gritado ao repórter que lhe pediu para comentar, dias depois, os já 5050 mortos..Na altura em que contraiu ele próprio o vírus, no início de julho, aproveitou o tédio da quarentena para mandar Pazuello comprar milhões de doses de cloroquina - remédio ineficaz neste combate - e para começar a execrar a vacinação - o método mais provável de o mundo superar a pandemia e derrotar as crises sanitária e económica..Como o rival político João Doria, governador de São Paulo, trilhou caminho diferente, comprando a chinesa Coronavac, Bolsonaro, no auge da desumanidade, celebrou a morte de um voluntário no período de testes da vacina.."A pandemia tem de ser enfrentada de peito aberto e o Brasil tem de deixar de ser um país de maricas", afirmou logo depois, em novembro, ofendendo os então 162 829 mortos, num tom colérico..A cólera fez a ponte entre "período desumano" e aquele em que nos encontramos, o "período alucinado", iniciado em estilo ainda naquele mês com o alerta de que quem tomasse a vacina poderia "virar jacaré"..Na semana passada, disparou, numa altura destas do campeonato, que a máscara faz mal à saúde, sustentado numa sondagem alemã de fundo de quintal..Este desvairado Dom Quixote encontrou em Pazuello o seu Sancho Pança perfeito (embora chamá-los de Rocinante e Rucio fosse imagem mais adequada): no início do plano de vacinação, o ministro esqueceu-se de comprar agulhas e seringas; já de posse da vacina, enviou as 76 mil remessas destinadas ao Amazonas para o Amapá e as duas mil destinadas ao Amapá para o Amazonas..O sinal mais claro, entretanto, de que Bolsonaro ainda está firme no "período alucinado" chegou na última segunda-feira, quando, depois deste cadastro de afirmações conspirativas, negacionistas, desumanas e enlouquecidas, chamou os seus bovinos apoiantes e disse-lhes com ar sério: "Desde março do ano passado, pessoal, não errei uma...".Até à hora em que este texto foi escrito morreram 258 mil brasileiros de covid-19.. Jornalista, correspondente em São Paulo