Bodes expiatórios
Na passada semana, uma deputada com um apelido de origem árabe (Cid tem origem no termo árabe seid ou sayyid e que em marroquino se grafa síd, o que significa “chefe” ou “homem guerreiro”, numa clara deriva machista) apresentou no Parlamento uma lista de alunos com nomes que considerou não serem de origem portuguesa, servindo isso para dramatizar a presença de alunos imigrantes nas escolas nacionais.
Pouco tempo depois, a mesma deputada admitia não ter verificado a veracidade da lista, enquanto o deputado André Ventura reiterava que a lista era “pública” e lamentava que nas escolas portuguesas já não existissem nomes como João ou Maria. Pelo caminho, ficava mais explícita do que implícita a conclusão de que parte da falta de professores se deve ao aumento do número de alunos de famílias imigrantes.
Apesar das declarações de repúdio perante, quer a divulgação dos nomes, quer a inferência de que estes alunos não têm lugar nas escolas portuguesas, a verdade é que este argumentário, com rápida ampliação mediática, dá imenso jeito a quem ficou sem conseguir determinar quantos professores faltaram, onde e em que disciplinas. O ministro da Educação surgiu na 3.ª feira a lamentar as declarações, mas parece ter sido incapaz de mais do que isso. Ora, se agarramos numa lista de alunos da disciplina de Português Língua Não Materna - frequentada por alunos para quem o Português não é a língua do contexto familiar - é óbvio que encontraremos nomes estranhos aos tidos como tradicionais, incluindo os derivados de novelas brasileiras desde final dos anos 70 do século XX ou aqueles grafismos originais como as Cátias com K ou outros flagelos equivalentes.
O que parece difícil de explicar, e ocorreu a pouca gente fora do ambiente escolar, é que estes alunos, na maior parte das disciplinas, estão em turmas onde ainda temos a Maria, o João, a Isabel, o Manuel, assim como a Tatiana Vanessa ou o Ronaldo Bruno.
Tão ou mais grave foi um órgão de informação de matriz católica como a Rádio Renascença colocar um título, acerca do aumento do insucesso escolar, como “Alunos imigrantes podem explicar aumento de chumbos nas escolas” (7 de Julho de 2025). Podem? Mas sabe-se isso ao certo ou não se sabe? As estatísticas demonstram isso ou é uma wild guess de um especialista entrevistado entre tabelas de excel e a bica da hora de almoço? Não, foi o presidente do Conselho de Escolas a fazer essa declaração. Até pode ter razão. Mas até que ponto é responsável, no actual clima político, prestar este tipo de declaração? Não perdeu uma bela hipótese de ficar calado ou dizer que espera pela desagregação dos dados?
A verdade é que os alunos imigrantes estão a ser um útil bode expiatório para erros crassos nas nossas políticas educativas, a começar por uma mítica “inclusão” feita pelo menor custo possível, inversamente proporcional à enunciação das mais belas intenções.
Professor do Ensino Básico.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico