Bandeira portuguesa na Praia de Benaulim, Goa

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Sendo a bandeira nacional o símbolo da nação, quando se trata da portuguesa e é livremente agitada no alto do mastro de um barco bem visível, localizado no coração da Praia de Benaulim, em Goa, muito frequentada por turistas de todo o mundo, ela não deixa de fazer vibrar os terminais nervosos de células políticas mais sensíveis, sobretudo de determinadas pessoas mais susceptíveis, e de provocar díspares reacções em cadeia, umas pertinentes, outras, qual delas mais estapafúrdias.

No primeiro momento, face ao impacto que me provocou a notícia, embarquei na onda e, contagiado pela corrente especulativa que circulava nas redes sociais, em Goa, admiti que a bandeira portuguesa pudesse ser considerada uma ostensiva provocação às autoridades indianas e o autor da proeza uma pessoa atrevida, ousada e corajosa. Um verdadeiro resistente português!

Em sintonia com esse tipo de raciocínio falacioso, numa das fotos do barco, alguém escrevera ironicamente: “Último reduto português do Estado da Índia.”

A propósito de extrapolações e de puras fantasias, eu, que vivia em Goa, quando se deu a Invasão do Estado Português da Índia, em 18 de Dezembro de 1961, e que presenciei a entrada dos tanques das forças indianas em Betim, lembro-me de ter ficado profundamente indignado quando li as mentiras publicadas nos jornais, em Portugal, sobre aquela invasão, chegando ao ponto de descreverem uma tentativa de desembarque das tropas indianas em Mormugão, que jamais aconteceu, e afirmando que, naquela ocasião, o inimigo tinha sido rapidamente vencido.

Mas em Mormugão deu-se um outro acontecimento que é digno de ser recordado.

Na comemoração dos 500 anos da expansão portuguesa no Oriente, depois da fria recepção tida pelo navio Sagres, em Goa, com os freedom fighters a promoverem manifestações antiportuguesas, qual não foi o espanto da tripulação do navio quando, na manhã do dia da partida, 16 de Novembro de 2010, se viu rodeada de dezenas de embarcações de pesca, apinhadas de pessoas, vestidas de cores da bandeira portuguesa, que o abordaram, pacificamente, a bombordo e estibordo, exibindo balões e flores, gritando vivas a Portugal, com bandeiras lusas em punho.

Entre outros dizeres, podia ler-se nas faixas: “Viva Portugal. Nós amamos Portugal. Boa viagem Sagres”. “Adeus Sagres. Viva Portugal. Goans love you.”

Curiosamente, no caso do barco de pesca de Benaulim, não encontrei nenhuma referência nos jornais de Goa acerca da bandeira portuguesa, aí hasteada, nem qualquer protesto ou manifestação dos freedom fighters, o que me deixou deveras intrigado.

Decidi falar com o autor da proeza, o famoso e popular pescador Francisco Fernandes, um homem simples, afável e de físico atlético, nascido em Benaulim, a 3 de Dezembro de 1974, mais conhecido como Pelé, por ser escuro e muito bom jogador de futebol.

Esteve em Portugal com a sua mulher e duas filhas, em Setembro de 2023, tendo realizado um jogo de futebol de veteranos, entre goeses e portugueses. O seu ídolo é Cristiano Ronaldo, por ele também considerado o melhor jogador do mundo.

Quando regressou a Goa, decidiu içar a bandeira portuguesa, no alto do mastro do seu barco, na quadra natalícia do mesmo ano.

Foto: D.R. / V.V.

Disse-me que amava Portugal porque os portugueses estiveram em Goa, porque, depois da partida dos portugueses, os goeses podem obter o passaporte português.

É um empresário bem-sucedido, que faz o negócio de pesca e de desporto náutico.

Quando lhe perguntei se não tinha receio de ser importunado pelas autoridades indianas respondeu-me:
“Não, Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, gosta de pescadores e eu sou um orgulhoso pescador”; [disse] que gosta de Portugal, contudo não gostaria de lá viver porque “amo a minha bela Goa”.

“Afianço-lhe que a minha atitude não tem nenhuma conotação política.”

Na sua grandeza de espírito, disse-me que não era um homem culto, mas que pretendia deixar uma mensagem para o mundo inteiro: 
“Os povos podem e devem amar-se, independentemente dos problemas do passado.”

Pedindo-me que publicite a sua acção, repete a ideia, com um aberto sorriso nos lábios: 
“Desejo, do fundo do coração, que Portugal e Goa continuem a amar-se, apesar das adversidades do passado histórico.”

Os arrojados lançadores de pontes de amor, como o Pelé de Benaulim, são um exemplo para a Humanidade e fazem-me acreditar que as portas para a cooperação, entre povos e países, poderão estar sempre abertas, desde que haja uma única pessoa, que lute para alcançar esse desiderato, com vontade altruísta e visão pacifista.


Escreve de acordo com a antiga ortografia

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