Autárquicas, mobilizam-se os partidos, aumenta a abstenção!

Publicado a

As eleições do próximo dia 12 de outubro têm o condão de mobilizar as máquinas partidárias, ou não fossem aquelas em que todos – ou quase todos – podem (ou têm de) ser candidatos a qualquer coisa, isto é, correm por si. Os autarcas são os políticos de proximidade, o primeiro contacto do cidadão com o Estado. No entanto, uma análise breve permite concluir que, comparativamente com as restantes eleições (Europeias à parte), são aquelas em que o grande vencedor é a abstenção.

Ora, esse resultado, repetido mandato após mandato, nada parece dizer aos partidos ou aos políticos – nem aos do sistema, nem aos que criticam o sistema enquanto dele se aproveitam, nem ainda aos independentes que de independentes só têm o nome. Seja por desinteresse – o que dificilmente será o caso – ou por um desfasamento gritante entre o discurso partidário e a vida real das pessoas, a verdade é esse fosso que afasta cada vez mais eleitores do ato eleitoral autárquico. E quando se observa a qualidade de muitas candidaturas, percebe-se o porquê. Há exceções que merecem respeito, mas a regra tem sido outra: programas com propostas frágeis, candidatos impreparados e uma sucessão de disparates que acabam por servir de material para programas de humor na rádio e na televisão. Mas não deve valer tudo. Para isso existe uma suposta Comissão de Eleições. Ou melhor, um grupo de burocratas de mangas de alpaca que se entretém e que finge regular e garantir o cumprimento da lei eleitoral. Na prática, a C(N)E fiscaliza com rigor quase obsessivo qualquer cidadão que ouse patrocinar um “post” nas redes sociais, mas fecha os olhos quando presidentes de câmara (ou os seus substitutos) que utilizam recursos públicos para inaugurar obras em período eleitoral como se fossem troféus pessoais de campanha. Também não se incomoda com candidatos a Presidente de Câmara que se apresentam diariamente nas televisões e nas rádios como comentadores “isentos”, travestidos de especialistas, numa violação descarada da lei. Quanto à imprensa escrita, o impacto é tão residual que mal entra nesta equação. O mais grave é que muitos desses comentadores que depois surgem como candidatos independentes não só beneficiam dessa visibilidade desigual, como ainda contam com a complacência da Comissão na hora de validar candidaturas. Há grandes municípios onde foram aceites processos com irregularidades gritantes, sem respeito por regras elementares. Veja-se um caso exemplar: um candidato que recolheu assinaturas sem indicar os nomes que compunham a sua lista. A lei não deixa margem para dúvidas – essa informação é obrigatória. Mas não foi apresentada. Mesmo assim, o candidato subiu ao palanque a criticar o sistema, acusar os outros de fraudes e a apresentar-se como arauto da verdade, enquanto ele próprio começa com uma fraude. Nem o Tribunal, por não ser de conhecimento oficioso, nem a C(N)E, demasiado ocupada em perseguir militantes de partidos rivais, se deram conta de gritante ilegalidade. Não admira, assim, o afastamento cada vez maior entre eleitores e eleitos. A sensação geral é direta: não queremos fazer parte, não queremos mais disto, incluindo nisto os falsos independentes até ontem militantes de partidos. A opacidade das práticas partidárias contribui ainda mais para esse afastamento. Basta olhar para os arranjos locais: em Lisboa, PS, Livre, Bloco e PAN avançam juntos; em Oeiras, a amizade reduz-se ao PS e ao PAN, ficando Livre e Bloco sozinhos; logo ao lado em Cascais, Livre, Bloco e PAN juntam-se, mas sem o PS; e em Sintra, o PS caminha com o Livre, enquanto o PSD se alia ao PAN e à Iniciativa Liberal, deixando o BE isolado. Esta salada ideológica, sem lógica nem coerência, mostra bem como partidos e autarcas vivem cada vez mais distantes da realidade concreta das pessoas. A responsabilidade, claro, é das direções partidárias que legitimam e alimentam este jogo. As fronteiras de cada concelho só existem para os eleitos. Os eleitores circulam livremente, de forma natural, porque a vida assim o exige. A falta de coerência, justificada com a autonomia local, soa a artifício para quem vota. Resultado: nestas eleições, só se mobilizam os partidos. Os cidadãos, esses, concentram-se no que realmente importa – o trabalho, a escola, o dia-a-dia.

Diário de Notícias
www.dn.pt